sexta-feira, maio 23, 2008

O SENTIDO DA VIDA
Para mim, a vida é um percurso, uma jornada que vamos percorrendo até à morte. Para uns este percurso é absurdo, obrigatório e percorrem-no porque sim; para outros está simplesmente predestinado por um Ser maior; Ser este que decidirá o seu futuro depois da morte. Mas, para mim nenhuma destas duas preenche a minha vontade de viver.
A vida só tem sentido a partir do momento em que existe uma evolução e uma aprendizagem. E tanto uma como a outra devem permanecer em nós até à morte. Deste modo, digo que o sentido da vida se baseia em memórias. As marcas que ficam do que já passámos. Momentos que, tanto pela positiva como pela negativa, nos fazem agir melhor da próxima vez e que relembramos para o resto da nossa vida. São as memórias que fazem com que a vida valha a pena.
Para mim, o sentido da vida baseia-se na realização pessoal, e esta realização de que falo não se baseia na fé, nem em simples prazeres absurdos. Baseia-se em relações interpessoais, nas pessoas. Porque só com elas podemos aprender e melhorar, e são elas que nos oferecem as melhores memórias.
Sei que não tenho maturidade nem experiência de vida suficientes para basear toda a minha vida nas memórias que virão, até porque não teria qualquer sentido. As memórias de que falo são a vontade de que todos os momentos futuros tenham importância suficiente para me marcarem e que moldarem como uma pessoa melhor.


Na minha opinião, o sentido da minha vida baseia-se na ética. Mas uma ética moderada. Para mim o sentido da vida são as relações, como já disse. É o conhecimento, a gratificação, a integridade, o crescimento que obtemos da interacção, pois é demasiado irreal e impensável dizermos que somos totalmente auto-suficientes. Porque a melhor forma de crescer é crescer com/pelos outros. Refiro-me a uma ética moderada porque não seria honesta se dissesse que vivo a minha vida totalmente em função dos outros e que só isso me deixa totalmente realizada. Mas, facilmente o mundo seria muito melhor que cada um desse 1% de si pelo próximo, porque se eu der 1% de mim a um outro individuo, este outro iria sensibilizar-se e iria ajudar mais alguém e deste modo, lento mas eficaz todos os dias mais de uma pessoa iria sorrir um pouco mais.
Se por um lado a minha vida só faz sentido se poder ajudar as pessoas que me rodeiam; por outro, acho que a vida só faz sentido se nos sentirmos seguros e confiantes de que se cairmos temos alguém que nos agarre. Porque a vida é feita em função de darmos, mas consequentemente, acabamos sempre por receber. Assim, a vida faz mais sentido quando nos rodeamos das pessoas que gostamos e sabemos que podemos obter apoio e conhecimento das mesmas, porque é debatendo e discutindo os nosso ideais com ideais contrários que os corrigimos e se vão aproximando cada vez mais da verdade.


É nisto que a vida se baseia, é uma oportunidade enquanto seres racionais de provarmos a nós próprios que conseguimos ir até onde quisermos, de superarmos os nossos limites e de quebrarmos barreiras. De crescermos duplamente, seja por orgulho próprio, por agirmos bem face aos outros; ou gratidão e humildade perante outro indivíduo que nos ajuda quando somos nós que precisamos.

Porque tudo isto preenche uma vida, e faz com que a abandonemos com a alma a sorrir e a transbordar de memórias que, ao fim ao cabo são as marcas que a vida nos deixa.

quarta-feira, maio 14, 2008

CENA 7
Interior / Dia – Quarto de ARTUR (W/C)

ARTUR (Comentário)
Nunca quis uma vida monótona, presa a rotinas. Sempre vivi à procura da emoção e novos limites. Mas esta vida que sempre levei vai corroendo a alma por dentro…

O quarto parece limpo. Está pintado de verde pálido e nas paredes existem gravuras com esculturas eróticas. A cama é muito baixa e ao lado há uma poltrona esfarrapada e um monte de almofadas coloridas. Na mesa-de-cabeceira vários objectos de forma inconfundível completam o espaço. ARTUR despe-se, pega na roupa interior lavada e segue para a casa de banho, no interior do quarto. É um cubículo lacado e tem na porta um poster com uma loira montada numa coca-cola. O poster está amarelecido e manchado dos insectos. A loura usava o cabelo à Marilyn Monroe, tipo anos 50. ARTUR pousa a sua roupa sobre a sanita e entra para o "poliban". No chuveiro falta o coador. É simplesmente um cano de onde jorra um jacto de água à altura da sua cabeça, mas ARTUR não hesita em lavar-se. No mesmo instante em que a água corre, tocam à porta persistentemente. ARTUR atrapalhado enrola-se no toalhão, que se encontra pendurado, e corre. Ao chegar ao quarto repara que as janelas estão escancaradas e que os cortinados esvoaçam ao vento. ARTUR olha o céu que anuncia algo estranho. No céu pendem nuvens com mesclas de cinza e rosa. Fica atento e já nada ouve, a não ser, o ruído de fundo do tráfego e o burburinho da multidão que se faz sentir na avenida principal. De regresso, novamente à casa de banho, e ao virar-se assiste à revolução do seu quarto. Entre gavetas no chão, a cama revolta, objectos pessoais espalhados, e outros, estão a descoberto fotografias, um revólver e uma mancha de sangue. ARTUR fica perplexo. A sua imagem funde-se a negro.

ARTUR (Comentário)
…Não tenho amigos. Depois do que já vi na vida já não consigo confiar em ninguém. A vida ensinou-me a lutar por mim e pelas pessoas que realmente importam. A família. O meu irmão…

ARTUR (Comentário)
…Mas às vezes a família não está à altura e trai. Eu sabia que aquela confusão tinha a ver com o RAMÓN, tinha a sua marca por todo o lado. Depois de tantos anos com ele nestes esquemas já não me engana. O RAMÓN, sempre foi tudo para mim, já nos conhecemos há 32 anos e nunca na vida hesitei em ajudá-lo. Ele é a minha vida. O meu dever, como irmão mais velho e único familiar, é protege-lo. Mas, nunca esperei tal ingratidão. Achei que a ganância e a avareza não ousavam estragar algo como amor de dois irmãos, mas pelos visto enganei-me. E tão bem enganado.

CENA 7 A)
Interior / Dia – Quarto de ARTUR (W/C) – Flash Forward

O pequeno quarto, parece agora ainda menos espaçoso pois está todo desarrumado. A cama está desfeita, as almofadas estão no chão lançadas ao acaso. A cómoda está toda remexida com as gavetas abertas a cair umas em cima das outras.
ARTUR está em frente da cama mais para o lado esquerdo, caminhando furiosamente para a porta. Atrás de dele está RÁMON que invadido por cólera, pega no revólver deixado posteriormente na cama de ARTUR e dispara.

CENA 8
Interior / Noite – Museu de Arte da Venezuela – Flash Back

ARTUR entra no museu pela janela. ARTUR veste um fato de treino preto e esconde a cara sob um gorro de malha canelada também preto, com dois buracos que deixam os olhos a descoberto. Sozinho dirige-se para a ala este do piso, ARTUR sabe bem para onde vai. O corredor é comprido e apresenta famosíssimos quadros de dois em dois metros; entre estes, e de vez em quando, pode ver-se um pedestal com peças formidáveis. Mas para ARTUR tudo o que o rodeia é insignificante comparado com a peça que se encontra à sua frente. ARTUR sabe que não tem muito tempo, o segurança pode passar a qualquer momento, mas não resiste à beleza do objecto. Fica a contemplá-lo. A sua beleza, a perfeição, a sua cor profunda que reluz extraordinariamente mesmo com a pouca luz que a sala oferece. Da pedra, ARTUR passa para a corrente, majestosa, brilhante e perfeita. Toda a peça olha para ele como se lhe implorasse que a tirasse dali. ARTUR não oferece resistência e acaba o trabalho.

ARTUR (Comentário)
Não foi este o futuro que imaginei para mim… queria ser piloto da força aérea. Percorrer o mundo de uma ponta à outra. Sempre me interessei por arte, mas arte é apenas um regalo para os olhos. A minha paixão é a adrenalina. Daí que chegar ao tráfico de arte não foi assim tão complicado: tinha as minhas duas paixões juntas e sabia que dinheiro era coisa que não ia faltar. Acima de tudo, estava próximo do meu irmão e sabia que, apesar de não o conseguir convencer a largar aqueles esquemas; estava por dentro para o proteger…

ARTUR (Comentário)
…Esta peça era extraordinária, nunca tinha visto nada assim na minha vida. Sempre que olhava para ela só conseguia imagina-la no pescoço cor de marfim da GUADALUPE. A mulher mais bonita do mundo.

Cena 7 B)
Interior / Dia – Quarto de Artur (W/C) – Flash Back

ARTUR, olha mais uma vez para as fotografias do colar e vem-lhe mais uma memória à cabeça.

Cena 7 C)
Interior / Noite – Quarto de ARTUR (W/C) – Flash Back

ARTUR está deitado na cama de barriga para cima, respira ofegante e o seu corpo está suado. À sua esquerda está GUADALUPE, magnifica. A sua pele tom de marfim, apresenta um pequeno brilho devido à transpiração. Os seus longos cabelos negros espalham-se pela cabeceira da cama. As pernas de ambos estão entrelaçadas. ARTUR acaricia o pescoço de GUADALUPE e sorri. GUADALUPE continua com o olhar vago e a sua expressão fria habitual.

ARTUR (Comentário)
Naquela manhã, GUADALUPE estava mais bonita que nunca. Sempre com o seu ar divino, majestoso e indiferente. Mas sempre bela. Eu estava a tremer de loucura e ansiedade.

ARTUR
Tenho uma surpresa. Sei que vai adorar, não lhe queria mostrar já porque ainda falta limpar, mas confesso que não resisto.

ARTUR sorri descontroladamente. Vira-se para a esquerda e abre a pequena gaveta da mesa-de-cabeceira, afasta alguns objectos pessoais e pega na jóia. Ao segurá-la nas suas mãos, o cintilar gélido dos brilhantes desperta a curiosidade de GUADALUPE que, pela primeira vez, muda de expressão. Olha agora para ARTUR bastante interessada. ARTUR mostra-lhe a peça (roubada). É um colar fascinante com a mais bonita safira combinada com uma magnífica corrente de brilhantes. O interesse de GUADALUPE cresce.

ARTUR (Comentário)
…Aquele sorriso, valeu por todo o esforço e ansiedade. Finalmente consegui arranjar um presente que ficasse à altura da mulher da minha vida!

GUADALUPE
É magnífico ARTUR. Onde arranjou esta preciosidade?

ARTUR
Também achei. Isso não interessa.

GUADALUPE
(Arrancando-lhe o colar das mãos colocando-o no próprio pescoço)
É para mim? Não acredito! O ARTUR é incrível!

ARTUR
(Tirando-lhe suavemente o colar e voltando a guardá-lo no mesmo sítio)
É sim meu amor, mas vai ter de esperar mais uns dias.
GUADALUPE segue todos e quaisquer movimentos do colar. Não o perde de vista até voltar para a gaveta.


CENA 7 D)
Interior /Dia – Quarto de Artur (W/C) – Flash Forward

O tiro é certeiro e ARTUR cai morto imediatamente. ARTUR jaz no chão imóvel num transe de transição entre a vida e a morte.

CENA 7 E)
Interior /Dia – Quarto de Artur (W/C)

Quando volta a si, ARTUR fica ainda por segundos desorientado. Está ainda perplexo com a confusão em que o seu quarto se transformou. Tomando rapidamente consciência da situação, ARTUR apressa-se a ir à gaveta da mesinha de cabeceira (única coisa que parece minimamente intacta). Mais descansado com o que verifica, volta a fechar a gaveta. Batem outra vez à porta. O quarto é pequeno e a distância entre ARTUR e a porta é minúscula. A porta é de madeira de pinho e a maçaneta dourada. Toda a decoração do quarto roça um pouco o piroso. Do outro lado da porta, RAMÓN espera impaciente. RAMÓN é um homem atarracado o que é exagerado pela lente côncava do buraco da porta. Apresenta um ar furiosamente impaciente e veste um fato italiano de risca de giz branca, uma camisa branca e uma gravata vermelha. RAMÓN é gordo, tem bigode e fuma charuto de tal maneira que tudo à sua volta é uma enorme nuvem de fumo. ARTUR reconhece o irmão e abre a porta.

ARTUR (Comentário)
Eu sabia que tinha sido o RAMÓN…vinha tentar dissuadir-me e convencer-me a dar-lhe o colar. Tão previsível.
(Gargalhadas secas)

RAMÓN
(Um tom vermelho-escarlate apodera-se da sua cara)
ARTUR, o prazo está a apertar. Quero a peça já! Visto que andas a fugir decidi vir! E não saio daqui sem o colar! Sei que o tens por aqui!

RAMÓN chega agora ao quarto, interrompe o seu discurso, dá um bafo no charuto, esboça um sorriso e pergunta ironicamente.

RAMÓN
(Esboça um sorriso infantil e brinca com os anéis dourados que usa nos dedos gordos)
O que é que se passou aqui no teu quarto, ARTUR? Até parece que foste intimidado...

ARTUR olha-o com desdém. RAMÓN lança uma forte gargalhada e continua a gozá-lo.

RAMÓN
Ah! E será impressão minha ou aquelas fotografias não são as fotografias do MEU colar?! Bem, parece que cheguei mesmo a tempo, visto que até já tiveste tempo para fotografar a tua nova e efémera aquisição. ONDE ESTÁ O COLAR?

RAMÓN dá um bafo no charuto e atira-o à cara de ARTUR com desdém.

ARTUR
(Ajeita a toalha que tráz enrolada na cintura)
Não te vou dar o colar! Sei que foram os teus capangas que deixaram isto aqui para me pressionar! Tu sabes bem o valor que o colar tem para mim e só me obrigaste a fazer este trabalho para me testar! Eu não vou ceder! A divida que tinha para contigo já foi paga à muito! Isto agora é extorsão! E se continuas atrás de mim denuncio-te à polícia… não quero saber se também vou ao fundo!

RAMÓN
(Irónico)
Como te atreves a dizer tal coisa ao teu irmão que te ajudou quando toda a gente te virou as costas? Que ofensa!

ARTUR (Comentário)
Não lhe dei o colar, e não me arrependo. O amor que sinto por RAMÓN é absurdo. Mas toda a vida me sacrifiquei por ele e chegou a altura de isso acabar.

ARTUR
Sai, por favor, e nunca mais te quero ver.

ARTUR (Comentário)
Estas foram, sem dúvida, as palavras que mais me custaram dizer em toda a minha vida.

ARTUR dirige-se à porta para expulsar RAMÓN. Mas, este invadido por cólera, pega na arma deixada posteriormente na cama de ARTUR e mata friamente o irmão. Este cai morto no instante.

ARTUR (Comentário)
Não me apercebi logo da situação. Aliás nunca pensei que o RAMÓNZITO fosse capaz de fazer o que fez. Só quando realizei que a minha vida ficara resumida a apenas alguns minutos de retalhos de memórias, é que conclui que nunca mais iria ver a cara da pessoa à qual dediquei todo o sentido da minha vida. À qual dei prioridade em todos os momentos importantes. E agora essa pessoa, que significa tanto para mim, apunhala-me pelas costas e acaba com a minha vida. Que sentido teve a minha vida?

CENA 7 F)
Interior / Dia – Quarto de ARTUR (W/C)

A cena está limpa. O espaço está encenado para que parecesse um suicídio. A porta do roupeiro abre-se. Uma mão feminina, de unhas bem arranjadas, empurra a porta do lado de dentro. De seguida um salto alto vermelho toca no chão, o outro também e contíguas a estes, umas longas e nuas pernas aproximam-se de RAMÓN. RAMÓN sorri com cumplicidade. GUADALUPE olha para ele com sensualidade. Pousa o chapéu largo sob a cabeça e beija RAMÓN. GUADALUPE, dirige-se à mesa-de-cabeceira, tira o colar da gaveta, coloca-o ao pescoço e RAMÓN ajuda-a a fechá-lo.

GUADALUPE
(Fascinada com o colar que possui)
Como fico, amor?
RAMÓN
(Calmo e totalmente apaixonado)
Perfeita, princesa!

Ambos dão as mãos e abandonam o local.