Abri um livro e escolhi uma palavra ao acaso. A palavra que calhou foi hora. Não sei bem como o fazer, mas decidi que usaria essa palavra para escrever uma história. Aqui vai a minha tentativa.
São 19:28, o sujeito, que já nem a nome tem direito, percorre cabisbaixo um corredor frio e sombrio. Anda devagar e arrasta os pés como se a planta dos seus pés descalços beijasse, pela última vez, o chão gelado. Os seus passos são pequenos travados pela pequena corrente de ferro que os une. As suas pernas magras tentam a todo o custo não tremer, os seus joelhos são bambos e o medo corre-lhe nas veias. O medo da morte.
A seu lado vão 3 seguranças fardados, perderam a identidade e a alma, venderam-na ao diabo. Na sua face paira grande indiferença, os seus olhos são cinzentos como as pedras e seus peitos vazios. São máquinas que apenas executam tarefas.
Prosseguem os três, passo a passo. O silêncio é apenas cortado pelo roçar das correntes.
Noutra sala estão 11 indivíduos. O presidente da prisão. O juiz do tribunal. O carniceiro. 3 Jornalistas. O padre. A todos estes também lhes foi corroída a identidade, apresentam-se apenas como meros sujeitos que executam funções, sem emoções. Mas ainda só vimos 6 pessoas, as outras quadro têm o coração quente mas apertado, têm o dom de sentir e o fardo de sofrer. Eles são Maria e José, pais da vítima. E Maria e José, pais do réu.
Maria e José, pais da vítima estão na primeira fila. Embora lhes doa o coração, sentem um grande alívio e principalmente sentem o filho vingado. Sentem alívio. Maria, mais conturbada que José, aperta as mãos suadas uma contra a outra, segurando um terço em tom de agradecimento. José, com olheiras visivelmente marcadas, está sério. A sua cara não mostra a divisão ética em que o seu coração se encontra. Parece calmo e, finalmente, tranquilo.
Maria e José, pais do réu estão na última fila. Contra a vontade do filho vieram à sua execução, num misto de tristeza, desilusão, raiva e tantos outros sentimentos que nem eles sabem definir, olham fixamente para a forca imponente que ocupa o centro da sala. Maria choraminga numa reza murmurada. José, tão sério como o seu homónimo, tem no olhar o vazio de ver um filho morrer e no coração a dor que mata também os pais.
A porta, extremamente pesada abre-se, o réu, acompanhado pelos três guardas, entra. Todos os seis indivíduos sem identidade fitam o culpado sem medo e até com um olhar pervertido. José, seu pai, olha o filho já com saudade. Maria, sua mãe, aperta o lenço com o qual enxuga as lágrimas com força e olha-o também. Embora a tristeza de ver o filho preso lhe doa no seu coração frágil de mãe, acompanha com o olhar o seu filho nesta dura hora. Ambos os pais da vítima, olham o réu com a frieza e a dor da lembrança.
O sujeito acorrentado, apenas levanta a cabeça para olhar a imponente forca. Seus joelhos fraqueijam e tremem ainda mais. O seu corpo torna-se ainda mais pesado e vai travando um luta inglória contra o seu próprio destino.
O juiz lê a sentença. O presidente da prisão diz para acta a hora da execução. Os jornalistas gravam. O carniceiro espera pelo sinal. O padre reza. A mão chora. O pai tenta não chorar. Os pais da vítima fitam o réu. O presidente da prisão faz sinal ao carniceiro. O carniceiro tira puxa a alavanca.
O sujeito chorava. O sujeito não quis dizer nada. 20:00 Hora da execução. 20:03 Hora da morte.
1 comentário:
Gostei muito desta história.. continua ;)
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