Quinta história
Histórias de Autocarro
Era um autocarro normal, todos os dias fazia a mesma volta para frente e para trás. Todos os dias levava imensas pessoas: umas altas; umas baixas; umas velhas, outras novas; loiras, ruivas e morenas; porcas ou limpas; tristes ou felizes; apressadas ou ensonadas. Enfim, muitas coisas e pessoas já tinha visto aquele velho autocarro.
De tantos anos que tinha o autocarro já conhecia os seus passageiros um por um:
A Dona Arminda Lopez todas as quintas feiras entrava no autocarro às duas da tarde. Trazia sempre uns grandes óculos escuros ou um chapéu. A Dona Arminda era uma fugitiva. Uma fugitiva da monotonia da sua vida de uma simples reformada. Por isso viajava todas as quintas feiras disfarçada com receito do azar a surpreender e se cruzar com o seu marido numa destas vidas. A Dona Arminda passava os dias a fingir que era feliz a fazer bordados e cozinhados, e o seu marido não tinha quaisquer razões para desconfiar, aqui entre nós, a Dona Arminda representava o seu papel tão bem que era merecedora de um Óscar. Arminda só era feliz em dois casos: quando os seus netos a iam visitar, coisa que já acontecia com pouca frequência, tinham as suas vidas e raramente tinham oportunidade de aparecer na casa da avó. Quando lá iam a Dona Arminda transbordava de uma felicidade genuína, contava-lhes histórias da sua infância, contava-lhes histórias da sua meninice e do seu casamento, viam fotografias, lanchavam e os netos contavam-lhe também as suas histórias; ou quando ela lá fugia da sua casinha dizendo que ia às compras ou tomar chá com as amigas e entrava no autocarro. O seu olhar observava intensivamente, por vezes até de mais, os passageiros. Absorvia todo aquele retracto, as formas dos corpos, as cores, as linhas, as texturas. Inspirava-se naquela viagem para as duas horas da tarde de quinta-feira pelas quais ela esperava a semana inteira. Eram aquelas duas horas que a mantinham viva e jovem. No fundo aquele era o seu elixir a vida! Eram aquelas duas horas onde aprendia a colorir a sua vida. Onde coloria tudo. Onde aprendia a colorir. Onde aprendia a pintar. A Dona Arminda Lopez todas as quintas feiras entrava no autocarro às duas da tarde, com uma grande pasta onde levava os seus papeis, tintas e pincéis e lá ia ela para as suas aulas de pintura.
Ana Maria Ramada, bailarina de ballet no conservatório de Lisboa, usava o autocarro para ir às aulas. Todos os dias às oito horas da manhã lá estava ela com a sua sacola pronta para mais bailados. Voltava todos os dias às oito da noite. O sonho de Ana Maria era ser bailarina profissional e ir especializar-se no estrangeiro, mas para tal ela tinha de se empenhar. Tinha um exame na semana seguinte, e via-se perfeitamente que andava a exigir demasiado dela, deixando marcas evidentes de cansaço. Ana Maria chegava a casa todos os dias por volta das oito e meia. Ainda antes de jantar ela treinava uma hora. Mas nessa noite ela não ia poder treinar. O seu rádio tinha-se estragado e isso tinha-a deixado muito triste e desgostosa, o exame estava cada vez mais próximo e para Ana Maria, por mais que treina-se nunca estaria preparada. E nesse momento Ana Maria acorda com um solavanco do autocarro, a sua paragem era na próxima! Av. de Roma mesmo em frente a sua casa o número 56.
Pedro Xavier era a terceira vez que viajava naquele autocarro. Na primeira viagem ia bastante nervoso, estava esperançoso que aquela vez que fosse a ultima casa que via. Estava farto de andar à procura da casa ideal, numa zona central Av. Roma n.º 56, uma casa com uma sala e portas bem largas onde coubesse o seu piano, o amor da sua vida. Na segunda viagem, via-se que ele estava bastante aliviado e feliz. Tinha adorado a casa e o senhorio tinha aceite o preço concordado só tinha de combinar mais um encontro para tratar da escritura e... a casa seria sua! Mas podia esperar, sem se aperceber os seus dedos viajavam no ar de felicidade como se todo o banco da frente fossem teclas de um enorme piano! Desta terceira vez Pedro ia fazer a sua primeira visita depois das pequenas obras que fez na casa, ia ver, observar, cheirar, imaginar os móveis e mais que tudo, ia tocar piano, porque certificou-se de que o sue piano iria ser a primeira coisa que iria entrar na sua casa. Finalmente chegou, saio do autocarro, já era bastante tarde quase nove da noite, mas ele não se importava só queria ir ter com o seu piano e tocar, tocar, tocar. A correr abriu a porta e correu para a sua casa, abriu a porta e aproximou-se do piano. Não este para meias medidas, tocou muito e bem alto! Estava feliz e queria partilhar a música com todo o mundo. (Não foi só a música que partilhou, partilhou também a felicidade coma sua nova vizinha que lhe ficou eternamente agradecida por aquele recital).
João Santos entrou quase sem folgo depois de uma corrida para conseguir apanhar o autocarro. Embora mais que triste João sentiu um calor de satisfação, estava a caminho de casa. Contra a sua vontade as lágrimas venceram uma luta que já durava à duas horas, e caíram-lhe dos olhos. Pela primeira vez João chorava com dor, ver o seu amigo numa situação como aquela fez-lhe uma enorme confusão, ainda não conseguia acreditar. Relembrava o episódio que se tinha passado à nem trinta minutos. Estava ele o Tiago e Mariana, a namorado do seu amigo, quando nisto aparecem mais uns dez homens que começaram a espancar o Tiago, João ainda tentou ajudar Tiago, mas 4 desses 10 agarraram nele e em Mariana travando qualquer investida. Em menos de dez minutos Tiago estava completamente imobilizado e espancado no meio do chão, Mariana chorava. E João possesso de não ter conseguido ajudar o amigo e de o terem deixado naquele estado, chamou uma ambulância, que leva Tiago e Mariana para o hospital onde João combinou ir ter após ir a casa.