terça-feira, julho 29, 2008

Vigésima quarta história
Quando a vida nos surpreende e nos volta de pernas para o ar, o sangue aloja-se na nossa cabeça provocando um fenómeno estranho de desenvolto raciocínio. Já Einstein o sabia e utilizava esta técnica, no seu sentido literal, diversas vezes. Mas nesta história que passo a contar, a história é outra.

Não fora intencionalmente que Isabel quisera que o seu raciocínio se desenvolve-se de tal maneira que não conseguisse deixar de pensar nele, mas a vida trocou-lhe as voltas e pô-la de pernas para o ar. Ora portanto, numa posição totalmente inversa todo o sangue é bombeado pelo coração dirige-se à cabeça com tudo o que o coração tem de melhor e de pior. Mas a diferença entre Isabel e Einstein é que este último não estava apaixonado de modo que toda a sua paixão se baseava nas ciências e deste modo tirava o melhor partido delas. Mas, como todos sabemos, o que o coração melhor sabe fazer é amar, e quando se ama alguém, como era o caso de Isabel, todo o sangue que o coração bombeia é incentivado por todos aqueles pequenos gestos, simpáticas palavras, saudáveis carinhos que alimentam a paixão. Assim, todo o sangue que se dirigia para a cabeça de Isabel estava contaminado pela magia do amor. Assim, Isabel passava os dias hipnotizada no seu amor.

Até aqui, esta história até ia bem encaminhada, com o encanto do destino, o charme da sorte e uns pozinhos de “pre lim pim pim” seria final feliz de certeza! Contudo, não era só o mundo de Isabel que estava de pernas para o ar. Infelizmente o de seu amado também. Não havia outra explicação para tal jovem e solteiro moço não reparar em todos os sintomas de amor que Isabel demonstrava. A sua indiferença era gelada, o seu desprezo ia deixando Isabel cada vez mais moribunda e perdida nos seus próprios pensamentos. Para quem nunca provou o sabor amargo e doce do amor, pode pensar que Isabel perdida nos seus pensamentos fosse sobrevivendo lentamente, progressivamente esquecendo tal rapaz que a deixara. Mas, os entendidos na matéria, sabem que é o amor, que nos tira o tapete de baixo dos pés e faz o mundo girar 90 graus deixando-nos de pernas para o ar. Era assim que Isabel estava, embrenhada no labirinto do amor, o sangue que o seu coração enamorado bombeava percorria-lhe o corpo todo, alojando-se lentamente na sua cabeça e contaminando-lhe os seus pensamentos com o bichinho do amor. Isabel passava os dias a pensar no seu amor, por vezes distraia-se com outras coisas, mas era um ciclo vicioso. De dentro impossível libertar-se, de fora incompreensível. E Isabel passava os dias a pensar no seu amor.

terça-feira, julho 15, 2008

Vigésima terceira história
Todas as noites ela subia toda a escadaria até uma plataforma suspensa a uma altura equivalente a dois andares. A plataforma estava ligada a outra plataforma apenas por um cabo de aço triquilitante. Ela tinha de o atravessar.
Embora já o tivesse feito outras vezes e até tivesse conseguido chegar à outra plataforma sã, houvera casos em que caíra e a queda fora tão grande que toda a sua coragem e segurança ficaram reduzidas a mil cacos.
Agora tinha um medo enorme de se aventurar outra vez naquela jurnada insegura e triquilitante a que chamam de amor.

segunda-feira, julho 14, 2008

Vigésima segunda história
Esta história é sobre carinho. O sentimento carinho, que como tal é transmitido de pessoa para pessoa. No mundo perfeito seria o primeiro e o último sentimento a ser experienciado. Respectivamente, o olhar carinhoso de uma mãe perante o seu filho recém-nascido e o sentimento mais recordado/desejado nos últimos momentos de vida.

Era uma vez uma rapariga, uma rapariga normal mas extraordinariamente carinhosa. A menina, tão doce menina, por vezes confundida com as meninas mal amadas devido a esta estranha tendência de espalhar carinho. Era um pequeno regalo para o mundo. À sua volta todos eram mais sorridentes, a primavera seguia-a assim como a bondade e a felicidade.
Era linda e perfumada, na mão trazia sempre um brinquedo de fazer bolinhas de sabão; disfarçada entre as crianças, amolecia o coração.

domingo, julho 13, 2008

Este seu olhar quando encontra o meu
Fala de umas coisas
Que eu não posso acreditar
Doce é sonhar, é pensar que você
Gosta de mim como eu de você

Mas a ilusão quando se desfaz
Dói no coração de quem sonhou
Sonhou demais, ah! se eu pudesse entender
O que dizem os seus olhos

Tom Jobim
Vigésima primeira história
O sol irradia os últimos raios de sol. O horizonte é preenchido por uma mescla de tons quentes. O tempo está quente e seco. O fim da tarde beija Lisboa, oferecendo-lhe um tom alaranjado. O Tejo e a ponte 25 de Abril enquadram todo o bonito cenário.
Madalena iluminada pelo lado direito com aquela luz alaranjada parece ainda mais bonita. O castanho profundo dos seus cabelos, ligeiramente ondulados, ganha agora uns pequenos reflexos ruivos; seus olhos ganham um tom cor de mel; e o seu sorriso… esse nada o muda, sempre radiante.
Mateus, sempre com a sua expressão calma, transborda felicidade pelos seus olhos muito escuros e rasgados. Involuntariamente, perde-se na beleza de Madalena e não escuta uma só palavra do que ela diz. Apesar de Mateus admirar tudo o que Madalena diz, aquele momento fê-lo perder toda a atenção que prestava as palavras sábias e graciosas de Madalena. A luz, os gestos, o olhar; tudo. Madalena está perfeita.
O tempo passa, o sol agora invisível, dá lugar a uma pequena brisa que apresenta a noite. Mateus e Madalena continuam onde estavam o tempo parece não existir para eles. A esplanada onde se encontram já não é a mesma, a luz alaranjada que o fim da tarde trazia e fazia reflectir toda a loiça e mobília, fora agora substituída pelo escuro progressivo que traz a noite. As velas iluminam agora o espaço com a sua luz turva e agitada.
O pensamento de Madalena viaja a alta-velocidade, tem plena consciência que há muito tempo que aquela relação deixara de ser uma amizade normal. Mas por outro lado, não tem a certeza até que ponto está disposta a arriscar entrar numa nova relação amorosa, tendo em consideração o seu historial atribulado. Mas quando olha para Mateus, sempre com aquela expressão calma, sente algo que há muito tempo não sentia, segurança. De repente dá por si a pôr em hipótese declarar-se. Logo a seguir, sente-se ridícula e perde a coragem. Enche-se de esperança que ao fim da noite os seus desejos sejam realizados e ele tome conhecimento de todo o carinho que ela sente por si. Entre suspiros e conversa o tempo vai passando e Madalena continua a sonhar.
Mateus agora concentrado na conversa, tenta tirar o maior partido de tudo o que Madalena diz, parece-lhe sempre tão sabia, tão certa. Tenta aprender e crescer ao máximo com tudo o que ela sabe. Por uma vez ou outra, deixa-se embalar na beleza dos seus gestos, da delicadeza do seu corpo; mas regressa sempre à conversa com medo de desrespeitar tal milagre da Natureza. Mateus admira-a, e sente-se na função de proteger tão frágil e virtuosa menina dos males do mundo. O carinho que tem por ela ultrapassa tudo o que já sentira por alguém, mas talvez por isso mesmo, o medo de não ser correspondido e se ter de afastar faz com que nunca se chegue a aproximar. E permanece sempre ali, escutando-a, amando-a, perdido nos seus gestos, embebido na sua graciosidade e curioso pela sua sabedoria.
A noite cai. Os talheres são pousados. A loiça é levantada. Mateus e Madalena abandonam a esplanada e seguem seu caminho amando-se secretamente um ao outro.

quarta-feira, julho 09, 2008

TRISTEZA NÃO TEM FIM...
...A FELICIDADE SIM.

terça-feira, julho 08, 2008

Vigésima história
Ela envolvida em melancolia vivia. Os dias levavam-na na sua maré. Vivia cada dia esperando pela coragem ou pelo milagre que realiza-se os seus sonhos; mas faltava sempre qualquer coisa que a fizesse lutar. No estranho conforto do medo estagnava, esperava. E assim vivia lentamente.
Por vezes tentava arranjar teorias que refutassem todo aquele sentimento, agarrava-se aos barcos que navegavam para alto mar tentando deixar toda a memória, toda a mágoa: todo o amor para trás; mas a maré enamorada pela areia das praias, dançando num vai e vem deixava-a sempre, de novo, na costa de onde partira.
E ela vivia nesta angústia, num destino fatal de se prender e envolver cada vez mais.
Outras vezes decidia que daquela vez, cheia de certezas, encontrara a paz nos braços de quem fugira outrora em tremenda angústia. Mas tal coragem era efémera e nunca se tornara em acontecimento.
E assim, a menina voltava sempre para a praia e observava a única coisa que alguma vez a compreendeu e sempre compreenderá: o mar. O mar, percorrido por tantos barcos, casa de tantos seres; decidira apaixonar-se pela areia e por mais que se afaste volta sempre furioso para ela.