trigésima primeira história . episódio dois
César já está em casa há um mês, a sua figura é agora esbelta e tonificada e o seu ego enche largamente as pequenas proporções da casa. O frigorífico, outrora cheio de doces e pratos cheios de calorias, ostenta agora produtos dietéticos e uma enorme variedade de verduras. O fundo falso do armário das panelas em tempos cheio de chocolates, está agora cheio de barras muesli, o alimento preferido de César desde que voltara da clínica.
Amélia, que recebera finalmente atenção na ausência do irmão, fica muito incomodada com o seu regresso porque César voltara a ganhar toda ou ainda mais importância do que já tinha quando ainda era obeso. O seu único refúgio continua como sempre a ser o seu armário onde permanece, imaculado o seu poster do eléctrico 28.
Um dia Amélia acorda a meio da noite cheia de dores nas costas de ter adormecido mais uma vez dentro do armário e toma uma decisão. Arranca o poster da parede do armário com muito cuidado para não o danificar e encaixa-o dentro de um tubo de cartão que já tem guardado há uns tempos, prevendo a chegada deste dia. Amélia põe um conjunto de roupa, a sua roupa interior lavada e a sua higiene na mala e volta a entrar no armário onde fita a parede de onde acabara de tirar o poster, na madeira do armário havia um pequeno rectângulo recortado, Amélia dá um toque no canto inferior direito desse rectângulo e a placa de madeira que o forma cai ao seu colo, abrindo um pequeno buraco na parede onde não cabe nada mais do que o seu porquinho mealheiro. Amélia volta a sair do armário e guarda também o porco na mala. Sorrateiramente dirige-se à porta de casa, inspira fundo, sorri e sussurra "adeus". Do lado de fora fecha a porta atrás de si e apanha o eléctrico, onde dorme o resto da noite.
Quando Amélia acorda já o eléctrico tinha feito o seu circuito 7 vezes. Amélia saiu em frente a um prédio extremamente amarelo e luminoso de onde uma voz grossa e profunda se propagava pelas janelas abertas. Amélia senta-se nos degraus da porta principal; parte com uma patada, o seu mealheiro e conta o seu dinheiro. Depois debruça-se sobre o molho de moedas de cobre, fazendo com que a sua cara fique também dessa cor pela luz que as moedas reflectem. Ao todo Amélia tem 2 moedas de mil e várias de latão que rondam os 250, com as duas mãos agarra às punhadas as moedas e coloca-as no bolso do seu casaco. De seguida, tira de um pequeno bolsinho da parte interior e traseira, quase secreta, da sua mala um recorte de um réclame. Esse bocadinho de papel apresenta uma figura já bem conhecida de Amélia, o eléctrico! Mas, com uma particularidade: é um anúncio a um leilão onde a base de licitação são umas míseras 100 unidades e a estimativa feita pela leiloeira não passa as 2000. Amélia sorri, desde a noite anterior ao internamente do seu irmão que achava que nunca mais iria conseguir concretizar o seu sonho - juntar dinheiro suficiente para comprar um eléctrico e morar nele - mas a esperança volta a encher-lhe o coração! Apressadamente, entra no prédio e corre até à sala com as moedas a tilintarem no seu bolso. Na sala, o homem da voz grossa e profunda gritava valores cada vez mais altos. Quando chega à sala o eléctrico tinha acabado de entrar em licitação, mas o preço subia loucamente a casa segundo. A calma que a sala tinha outrora, era agora interrompida pelo relato apressado do senhor da voz grossa e profunda, e pelas variadas raquetinhas numeradas que se iam levantando. Rapidamente as possibilidades de Amélia são ultrapassadas o que a faz abandonar a sala e voltar a sentar-se nos degraus da entrada. Está atónita como o seu maior sonho lhe escorreu tão facilmente por entre os dedos. Aos poucos ganha coragem para se levantar e caminha lentamente pelos carris do eléctrico até à loja imobiliária onde lhe alugam uma pequena casa por 1800 und. Amélia paga a primeira renda com o dinheiro que houvera poupado e reúne esforços para vir a trabalhar como condutora do eléctrico. O que consegue em menos de 20 dias, conseguindo juntar o dinheiro suficiente para pelo menos a segunda renda da casa. Amélia apesar de todos os desgostos que viveu nos últimos meses está agora calma e feliz. Por enquanto.