quinta-feira, novembro 27, 2008

a essência da história de amor
Todos os corações, a partir da primeira vez que começam a bombardear o sangue pelas veias, sabem que o seu objectivo é manter um batimento cardíaco continuo. Esse objectivo é, nem mais nem menos, que um chamamento para o seu coração correspondente, assim continuam a bater incansavelmente até ao dia em que o encontram. Aí, o batimento cardíaco acelera loucamente, como que uma celebração; até ao dia em que acalma e continua num batimento mais calmo, transmitindo apenas a sua presença ao coração companheiro.

Mas, por vezes, os corações são calados e entalados pelos outros órgãos. E enganados pelos olhos. Parte atenta e analisadora do corpo humano, procura, ao contrário do coração, o belo em vez do certo. Mas os olhos mantêm uma ligação directa à cabeça e é na cabeça que são arquivadas e arrumadas todas as memórias, tornando assim supérfluo o acto de olhar repetidamente. É neste momento, quando os olhos se fartam de ver sempre o mesmo belo, e as pálpebras descem como a cortina de um teatro; que o coração, embora escondido, tem sempre razão.

segunda-feira, novembro 17, 2008

Vigésima nona história

Esmeralda era uma senhora já com os seus sessenta anos. Tinha longos e fracos cabelos brancos, todos apanhados no cimo da cabeça. A sua face era redonda e macia embora enrugada. Vivia numa casa pequena, que ainda mais pequena se tornava pelo excesso de decoração. Esmeralda passava grande parte do seu tempo na cozinha, era lá que se sentia mais confortável entre os tachos e as panelas. De ascendência Espanhola, herdara o gosto pela gastronomia dos seus antepassados.

Esmeralda acorda, chega à cozinha, nas mãos trás um tabuleiro com um copo vazio e um cheio. Lava os copos, arruma o tabuleiro e faz o pequeno - almoço, para ela e para o marido. Senta-se e espera. Mal o relógio se acerta nas 10h começa a comer. No fim arruma tudo. Ao meio dia já está de volta aos cozinhados, põe a mesa para dois, serve ambos os pratos, senta-se e espera. À 13h30 começa a comer. No fim arruma tudo. Quando o relógio marca a as 16h, Esmeralda volta à cozinha, prepara sempre um chá e bolachas de manteiga, põe no tabuleiro com duas chávenas e dois pratinhos e senta-se na sala, à espera. Às 17h, Esmeralda arruma tudo de novo nos seus lugares e abandona a cozinha com regresso marcado às 19h. Às sete da tarde, Esmeralda faz uma sopa e o jantar. Põe a mesa para dois, serve ambos os pratos e espera. Às 20h30 começa a comer. No fim arruma tudo e limpa a cozinha. A última vez que Esmeralda vem à cozinha é por volta das 23h, já vem de roupão e leva um tabuleiro com dois copos com leite branco. No quarto, Esmeralda pousa o tabuleiro na cómoda, senta-se na cama e espera. À 00h bebe o seu copo de leite, de seguida pousa-o ao lado do outro copo, que permanece cheio, no tabuleiro em cima da cómoda. Deita-se e fica à espera. O seu olhar permanece imóvel na porta como que se esperasse por alguém. Só uma hora depois é que apaga a luz. Esmeralda espera até adormecer.

sexta-feira, novembro 14, 2008

Numa escala de cinzentos, uns dizem que se obtém as mesmas intensidades mas, para mim, a vida perde o seu encanto. Embora sejam visíveis as formas, os volumes e até as texturas; a mensagem que os diversos elementos transmitem, perde grande parte da sua essência. Porque a cor oferece uma nova forma aos objectos. Dá-lhes uma nova paleta cromática, que os torna imensamente mais expressivos. Ao contrário da conotação ultrapassada que a escala de cinzentos nos remete, as cores gritam e enaltecem tanto o presente como o futuro. Viva a cor!

segunda-feira, novembro 10, 2008

O Outono chegara
Friorento e chuvoso.
Agora calada a arara,
Precede o Inverno guloso.

A saudade dos tempos quentes
Fazem as árvores chorar
Cai a folha dormente
Farta de se agarrar




Outono, estação fria,
Faz as pessoas deambular
Empurradas pela ventania
Naufragam no seu pensar.

De vermelhos, laranjas e amarelos
Pinta de quente o horizonte.
Esquece os pensamentos belos
Deixados outrora nos montes.

E chega a mágoa
E a nostalgia
Os olhos em água
Esperam pela magia.

sábado, novembro 08, 2008

Vigésima oitava história

Isabel procura na sua mala as chaves do carro, está muito nervosa o que faz as suas mãos tremerem descontroladamente e não conseguirem encontrar as chaves. Encontra-as e entra no carro, senta-se brutamente no lugar do condutor. As lágrimas derramam-se involuntariamente pela sua cara, apoia os braços no volante e chora. Isabel está agora num mundo paralelo à procura de si mesma e não repara em nada nem ninguém. Abre o porta-luvas e tira um CD de Ópera, insere-o no rádio do carro e carrega no play, aumenta o volume consideravelmente. Cansada e saturada de tanto chorar Isabel olha agora em frente e reavalia tudo o que aconteceu na última hora, de seguida faz plano para o que irá fazer na próxima hora.
Enquanto isto, o transito numa das principais avenidas de Lisboa prossegue normalmente, as pessoas passam na rua sem repararem em Isabel. Todas, menos uma rapariga com um casaco rectro style preto e branco, ela passa pelo carro onde Isabel permanece sentada há já 40 minutos e por dois segundos é invadida pela sua mágoa, mesmo assim continua o seu caminho não oferecendo o seu sentimento de compaixão.
A porta do prédio em frente ao carro abre-se, de dentro sai um homem aceitavelmente bem-parecido mas muito enraivecido. O homem sai do prédio a gritar:
- Isabel volta aqui já! Nós temos de conversar! Estás a ouvir?! Estou a falar contigo! - Diz António fora de si, encaminhando-se apressadamente para o carro.
As portas do carro trancam-se e o carro arranca bruscamente fazendo os pneus chiarem.

quinta-feira, novembro 06, 2008

Em Fast Foward, os nosso olhos são incapazes de ver os pequenos pormenores que lentamente eram tão explícitos, mas que numa sequência de imagens num tempo acelerado, ficam perdidos. A par disso, é suprimida toda a banda sonora ou transformada num ruído incómodo que não nos deixa descansar. Uma vida acelerada perde o gosto pelas pequenas carícias do Outono, por um olhar que poderia desencadear uma grande e pedagógica conversa ou o simples prazer de observar. Mas, quando as coisas nos passam à frente, sem tempo para as vermos e apreciarmos, perdem o gosto e a razão.

segunda-feira, novembro 03, 2008

"Nino's late. For Amélie, there's only two possible explanations:
  • He didn't find the picture.
  • He didn't have time to piece it together because repeat offenders took him hostage. Chased by the police, they managed to escape. But he caused an accident. When he recovered, he couldn't remember anything. A trucker gave him a ride and believing that he is a fugitive, put him in a container to Istanbul. There, he came across Afghan adventurers, who took him with them to steal soviet missiles. But their lorry exploded on a landmine in Tajikistan. The only survivor, mountaineers helped him out, and he became a mujaheddin fighter. Thus, Amélie really doesn't see why she should worry so much for a guy who'll spend the rest of his life eating bortsch, with a stupid hat on his head !"

Le Fabuleux Destin d'Amelie Poulain, Jean-Pierre Jeunet