segunda-feira, dezembro 15, 2008

A saudade andou comigo
E através do som da minha voz
No seu fado mais antigo
Fez mil versos a falar de nós
Troçou de mim à vontade
Sem ouvir sequer os meus lamentos
E por capricho ou maldade
Correu comigo a cidade
Até há poucos momentos

Já me deixou
Foi-se logo embora
A saudade a quem chamei maldita
Já nos meus olhos não chora
Já nos meus sonhos não grita
Já me deixou
Foi-se logo embora
Minha tristeza chegou ao fim
Já me deixou mesmo agora
Saíu pela porta fora
Ao ver-te voltar para mim

Nem sempre a saudade é triste
Nem sempre a saudade é pranto e dor
Se em paga saudade existe
A saudade não dói tanto amor
Mas enquanto tu não vinhas
Foi tão grande o sofrimento meu
Pois não sabia que tinhas
Em paga ás saudades minhas
Mais saudades do que eu


Mariza . Já me deixou

segunda-feira, dezembro 08, 2008

trigésima história
Era uma vez uma árvore. Essa árvore era uma vez rodeada de quatro grandes prédios, autênticos arranha-céus. Dois destes prédios tinham a localização exacta do trajecto nascente-poente do sol, expondo a pobre coitada da árvore ao sol apenas umas míseras 3 horas diárias, numa incisão quase vertical dos raios solares. Assim, esta árvore, de certo modo robusta, tinha um grande conflito interno: as suas folhas inclinas dos primeiros pisos, por carência fotossintética ficavam invadidas por inveja. Deste modo, passavam os dias tristes e escuras implorando por um pouquinho de sol; enquanto as dos pisos superiores, fascinadas com os luxos ensolarados perdiam o discernimento e apanhavam grandes escaldões. Pobres coitadas, todas secas e enrugadas, perdiam as forças mal chegava o Outono, e caiam aos trambolhões.

domingo, dezembro 07, 2008

"Sempre a pensar, sempre a pensar. O que é que eu vou fazer? Onde é que esta estrada vai dar?"

quinta-feira, novembro 27, 2008

a essência da história de amor
Todos os corações, a partir da primeira vez que começam a bombardear o sangue pelas veias, sabem que o seu objectivo é manter um batimento cardíaco continuo. Esse objectivo é, nem mais nem menos, que um chamamento para o seu coração correspondente, assim continuam a bater incansavelmente até ao dia em que o encontram. Aí, o batimento cardíaco acelera loucamente, como que uma celebração; até ao dia em que acalma e continua num batimento mais calmo, transmitindo apenas a sua presença ao coração companheiro.

Mas, por vezes, os corações são calados e entalados pelos outros órgãos. E enganados pelos olhos. Parte atenta e analisadora do corpo humano, procura, ao contrário do coração, o belo em vez do certo. Mas os olhos mantêm uma ligação directa à cabeça e é na cabeça que são arquivadas e arrumadas todas as memórias, tornando assim supérfluo o acto de olhar repetidamente. É neste momento, quando os olhos se fartam de ver sempre o mesmo belo, e as pálpebras descem como a cortina de um teatro; que o coração, embora escondido, tem sempre razão.

segunda-feira, novembro 17, 2008

Vigésima nona história

Esmeralda era uma senhora já com os seus sessenta anos. Tinha longos e fracos cabelos brancos, todos apanhados no cimo da cabeça. A sua face era redonda e macia embora enrugada. Vivia numa casa pequena, que ainda mais pequena se tornava pelo excesso de decoração. Esmeralda passava grande parte do seu tempo na cozinha, era lá que se sentia mais confortável entre os tachos e as panelas. De ascendência Espanhola, herdara o gosto pela gastronomia dos seus antepassados.

Esmeralda acorda, chega à cozinha, nas mãos trás um tabuleiro com um copo vazio e um cheio. Lava os copos, arruma o tabuleiro e faz o pequeno - almoço, para ela e para o marido. Senta-se e espera. Mal o relógio se acerta nas 10h começa a comer. No fim arruma tudo. Ao meio dia já está de volta aos cozinhados, põe a mesa para dois, serve ambos os pratos, senta-se e espera. À 13h30 começa a comer. No fim arruma tudo. Quando o relógio marca a as 16h, Esmeralda volta à cozinha, prepara sempre um chá e bolachas de manteiga, põe no tabuleiro com duas chávenas e dois pratinhos e senta-se na sala, à espera. Às 17h, Esmeralda arruma tudo de novo nos seus lugares e abandona a cozinha com regresso marcado às 19h. Às sete da tarde, Esmeralda faz uma sopa e o jantar. Põe a mesa para dois, serve ambos os pratos e espera. Às 20h30 começa a comer. No fim arruma tudo e limpa a cozinha. A última vez que Esmeralda vem à cozinha é por volta das 23h, já vem de roupão e leva um tabuleiro com dois copos com leite branco. No quarto, Esmeralda pousa o tabuleiro na cómoda, senta-se na cama e espera. À 00h bebe o seu copo de leite, de seguida pousa-o ao lado do outro copo, que permanece cheio, no tabuleiro em cima da cómoda. Deita-se e fica à espera. O seu olhar permanece imóvel na porta como que se esperasse por alguém. Só uma hora depois é que apaga a luz. Esmeralda espera até adormecer.

sexta-feira, novembro 14, 2008

Numa escala de cinzentos, uns dizem que se obtém as mesmas intensidades mas, para mim, a vida perde o seu encanto. Embora sejam visíveis as formas, os volumes e até as texturas; a mensagem que os diversos elementos transmitem, perde grande parte da sua essência. Porque a cor oferece uma nova forma aos objectos. Dá-lhes uma nova paleta cromática, que os torna imensamente mais expressivos. Ao contrário da conotação ultrapassada que a escala de cinzentos nos remete, as cores gritam e enaltecem tanto o presente como o futuro. Viva a cor!

segunda-feira, novembro 10, 2008

O Outono chegara
Friorento e chuvoso.
Agora calada a arara,
Precede o Inverno guloso.

A saudade dos tempos quentes
Fazem as árvores chorar
Cai a folha dormente
Farta de se agarrar




Outono, estação fria,
Faz as pessoas deambular
Empurradas pela ventania
Naufragam no seu pensar.

De vermelhos, laranjas e amarelos
Pinta de quente o horizonte.
Esquece os pensamentos belos
Deixados outrora nos montes.

E chega a mágoa
E a nostalgia
Os olhos em água
Esperam pela magia.

sábado, novembro 08, 2008

Vigésima oitava história

Isabel procura na sua mala as chaves do carro, está muito nervosa o que faz as suas mãos tremerem descontroladamente e não conseguirem encontrar as chaves. Encontra-as e entra no carro, senta-se brutamente no lugar do condutor. As lágrimas derramam-se involuntariamente pela sua cara, apoia os braços no volante e chora. Isabel está agora num mundo paralelo à procura de si mesma e não repara em nada nem ninguém. Abre o porta-luvas e tira um CD de Ópera, insere-o no rádio do carro e carrega no play, aumenta o volume consideravelmente. Cansada e saturada de tanto chorar Isabel olha agora em frente e reavalia tudo o que aconteceu na última hora, de seguida faz plano para o que irá fazer na próxima hora.
Enquanto isto, o transito numa das principais avenidas de Lisboa prossegue normalmente, as pessoas passam na rua sem repararem em Isabel. Todas, menos uma rapariga com um casaco rectro style preto e branco, ela passa pelo carro onde Isabel permanece sentada há já 40 minutos e por dois segundos é invadida pela sua mágoa, mesmo assim continua o seu caminho não oferecendo o seu sentimento de compaixão.
A porta do prédio em frente ao carro abre-se, de dentro sai um homem aceitavelmente bem-parecido mas muito enraivecido. O homem sai do prédio a gritar:
- Isabel volta aqui já! Nós temos de conversar! Estás a ouvir?! Estou a falar contigo! - Diz António fora de si, encaminhando-se apressadamente para o carro.
As portas do carro trancam-se e o carro arranca bruscamente fazendo os pneus chiarem.

quinta-feira, novembro 06, 2008

Em Fast Foward, os nosso olhos são incapazes de ver os pequenos pormenores que lentamente eram tão explícitos, mas que numa sequência de imagens num tempo acelerado, ficam perdidos. A par disso, é suprimida toda a banda sonora ou transformada num ruído incómodo que não nos deixa descansar. Uma vida acelerada perde o gosto pelas pequenas carícias do Outono, por um olhar que poderia desencadear uma grande e pedagógica conversa ou o simples prazer de observar. Mas, quando as coisas nos passam à frente, sem tempo para as vermos e apreciarmos, perdem o gosto e a razão.

segunda-feira, novembro 03, 2008

"Nino's late. For Amélie, there's only two possible explanations:
  • He didn't find the picture.
  • He didn't have time to piece it together because repeat offenders took him hostage. Chased by the police, they managed to escape. But he caused an accident. When he recovered, he couldn't remember anything. A trucker gave him a ride and believing that he is a fugitive, put him in a container to Istanbul. There, he came across Afghan adventurers, who took him with them to steal soviet missiles. But their lorry exploded on a landmine in Tajikistan. The only survivor, mountaineers helped him out, and he became a mujaheddin fighter. Thus, Amélie really doesn't see why she should worry so much for a guy who'll spend the rest of his life eating bortsch, with a stupid hat on his head !"

Le Fabuleux Destin d'Amelie Poulain, Jean-Pierre Jeunet

quarta-feira, outubro 29, 2008

Vigésima sétima história

O casamento de Gaspar e Madalena aproxima-se a passos largos de uma enorme indiferença. O amor que tinham dedicaram incansavelmente aos seus filhos mas, agora que o último saiu de casa, um silêncio incomodativo gela a mesma. Gaspar adopta um olhar vago, perdido e entristecido pelas experiências que a guerra lhe ofereceu. Madalena, presa nos pressupostos da sociedade entretém-se com a lida doméstica sem coragem para quebrar a barreira que a afasta, cada vez mais, do seu marido. Entediada na monotonia do casamento, Madalena começa a perder-se em suposições de casos extraconjugais do seu marido com outras mulheres. Perdida num estado de alucinação e paranóia, Madalena vai ficando cada vez mais submissa e passiva à vida. Ao observar esta situação, Gaspar resolve que tem de acordar aquela paixão.

segunda-feira, outubro 20, 2008

vigésima sexta história
Era uma vez, uma história desmembrada, pois uma pequena parte lhe fora arrancada. Todas as histórias suas amigas eram senhoras completas, mas a pequena coitada ficara incompleta. Quem um dia a escreveu, tratou de lhe dar um início e de a finalizar, mas tudo o que supostamente se compreendia no meio, era um buraco cheio de vazio, ou um segundo de memórias que passavam em grande velocidade. A história pobre coitada sentia-se baralhada, pois nem tivera tempo de vingar suas conquistas. Quando era um livro em branco sonhava ser uma grande paixão agora completa, resta-lhe apenas a desilusão.

quarta-feira, setembro 24, 2008

Se gostares de mim, diz que sim.
Mas nao digas que sim só por que sim!
Diz que sim, apenas se gostares de mim.

domingo, setembro 21, 2008

O mistério da morte do Francês estava directamente relacionado com a cauda do entupimento da fossa séptica. Esse problema devia-se ao cocó duro do senhor Paulo, pois este deliciava-se com Talasnicos.
Os famosos Talasnicos eram produzidos a partir da distribuição de mel da D. Helena. Esta, morta de ciúmes da relação que D. Lizete tinha com o Francês, decide prejudicar todo o comércio de Talasnicos da D. Lizete e vender-lhe mel do Lidle. Tanto à D. Lizete como a todos os seus compradores fora o seu amigo Francês, para esse, D. Helena guardava sempre o seu famoso mel de abelhas da Lousã.
Mal sabia ela que o Francês tinha descoberto a causa do entupimento da fossa séptica. E, para salvar o seu grande amor, Paulo, de uma vingança fria do Senhor Jorge; o Francês decide encher a bota, que houvera roubado ao seu amor, com o mel milagroso da D. Helena para lhe amolecer o cocó.
Mas, invadido pela gula, não resiste a provar um bocadinho do mel da bota do Paulo. Mel este, que acabaria por ser fatal naquela madrugada, pois juntas as proporções certas de chulé, amor e mel da D. Helena - o Francês bate a bota.

Ana Manuel
Inês Namorado
Luís Almeida
Inês Teixeira

quarta-feira, setembro 10, 2008

Voltando ao dia 16 de Agosto não há muito para dizer, a partir daí foi um constante crescimento que ainda agora não sei explicar. Foram dez dias numa panela de pressão mergulhados num caldo de questões e decisões.
Mas comecemos pelo princípio quando separaram alhos e bugalhos. Confesso que por estúpida apatia não se manifestou em mim qualquer tipo de revolta, fiquei apenas perdida numa mistura de curiosidade e saudade. Assim os dias foram-se passando, deixando passar promessas de reencontros sob o reflexo da lua no tanque. Cada dia era uma descoberta, um safanão que abanava o meu mundo e me fazia questionar muitas das coisas que antes tomava como certas. Na nossa aldeia, íamo-nos tornando numa pequena família que se apoiava e descobria mutuamente. Na outra não sei, mas embora separados tanto a saudade como a amizade de outros tempos, e a curiosidade destes novos que queríamos conhecer ligavam estas duas aldeias como vizinhas que eram. Deste modo agradeço por termos dado o salto e quando tudo parecia errado ser possível fazer-se mais e melhor. Viva a ópera.
Quando finalmente a adaptação tinha ficado para trás trocam-nos as voltas e no fim de uma longa jornada estamos juntos outra vez. Novidade com um travo agridoce. Baralhados entre felicidade e desconforto deixamo-nos levar. Voltamos ao inicio: à curiosidade sobre o outro, ao impasse de abordar ou não. Ainda perdidos nesta nova situação, tiramos as máscaras e sem pudor posemos os defeitos sem filtros na mesa. Foi difícil e assustador, mas feito isso, só nos restava aproveitar a confiança e fragilidade em que estávamos inseridos e entregamo-nos até ao máximo. E foi o que se sentiu. Cada dia que passava era uma corrida para apanhar o tempo perdido. Era um esforço continuo para preenchemos aqueles dez dias que memórias que nos durassem para o resto da vida. Valeu a pena.
Quero então agradecer a todos porque um sozinho não dança e senti que todos juntos levantamos algo muito importante. Crescemos e aprendemos juntos a nossa posição no mundo e neste movimento que é o Mocamfe. Foi um prazer rir convosco, chorar convosco, sofrer com as vossas palavras e ainda mais discuti-las no final.
Peço desculpa pela distância que por vezes criei à minha volta e espero com aqueles que ainda não consegui vir um dia a torna-la mais curta. Com os que já consegui só tenho a dizer que fiquei deliciada com as maravilhas que este pequeno esforço trouxe.
Queria acabar em beleza com uma grande piada ou conclusão filosófica, mas a única coisa que me vem à cabeça é a palavra Obrigada. Obrigada pelo esforço, obrigada por este vazio que sinto agora corroído por saudades, obrigada por a partir do que conheci de vocês me conhecer a mim também.
Foram dez dias em que a partir dos outros me conheci.

domingo, agosto 03, 2008

Vigésima quinta história
Ao relembrar tudo, o seu coração comprimia de tal modo que lhe causava uma estranha sensação no peito. Uma enorme angustia. Foi aí que Mercedes aprendera a viver com o arrependimento.

Apesar de se tentar conformar à ideia de não ter aproveitado ao máximo a oportunidade que a vida lhe oferecera; por vezes, Mercedes deixava-se sonhar e viver por um dia na terra do “se” e pensar em milhares de diferentes desfeches para a sua quase história de amor. Nesses dias era feliz, embora soubesse que tudo fosse feito de efémera magia sentia-se confortável e segura. Mas quando os sonhos acabam e acordamos, temos de ter o dobro da força para nos voltarmos a acostumar à realidade e a esta nova sombra que já faz parte de nós, o arrependimento.

Mercedes, apesar das enumeras teses e teorias que já elaborara para explicar o colapso daquela relação, nunca se perdoara por uma única e simples coisa. O facto de por medo, insegurança ou receio da rejeição nunca ter conseguido expressar estas curtas mas tão poderosas quatro palavrinhas, na mesma ordem: “Eu gosto de ti.”. Depois, tão rápido como o desenrolar de uma serpentina de carnaval, mil memórias vêm lhe à cabeça. E depois apercebe-se da ironia do amor: sem aquele rapaz na sua vida, fantasia em inúmeros diferentes finais para a inacabada história que tiveram em comum; quando tudo o que queria estava à distância de lhe dizer aquela simples frase, vivia atormentada especulando sobre a sua reacção, amedrontada com um possível não.


"Eu sei que vou chorar
A cada ausência tua eu vou chorar
Mas cada volta tua há de apagar
O que esta ausência tua me causou"
Tom Jobim

terça-feira, julho 29, 2008

Vigésima quarta história
Quando a vida nos surpreende e nos volta de pernas para o ar, o sangue aloja-se na nossa cabeça provocando um fenómeno estranho de desenvolto raciocínio. Já Einstein o sabia e utilizava esta técnica, no seu sentido literal, diversas vezes. Mas nesta história que passo a contar, a história é outra.

Não fora intencionalmente que Isabel quisera que o seu raciocínio se desenvolve-se de tal maneira que não conseguisse deixar de pensar nele, mas a vida trocou-lhe as voltas e pô-la de pernas para o ar. Ora portanto, numa posição totalmente inversa todo o sangue é bombeado pelo coração dirige-se à cabeça com tudo o que o coração tem de melhor e de pior. Mas a diferença entre Isabel e Einstein é que este último não estava apaixonado de modo que toda a sua paixão se baseava nas ciências e deste modo tirava o melhor partido delas. Mas, como todos sabemos, o que o coração melhor sabe fazer é amar, e quando se ama alguém, como era o caso de Isabel, todo o sangue que o coração bombeia é incentivado por todos aqueles pequenos gestos, simpáticas palavras, saudáveis carinhos que alimentam a paixão. Assim, todo o sangue que se dirigia para a cabeça de Isabel estava contaminado pela magia do amor. Assim, Isabel passava os dias hipnotizada no seu amor.

Até aqui, esta história até ia bem encaminhada, com o encanto do destino, o charme da sorte e uns pozinhos de “pre lim pim pim” seria final feliz de certeza! Contudo, não era só o mundo de Isabel que estava de pernas para o ar. Infelizmente o de seu amado também. Não havia outra explicação para tal jovem e solteiro moço não reparar em todos os sintomas de amor que Isabel demonstrava. A sua indiferença era gelada, o seu desprezo ia deixando Isabel cada vez mais moribunda e perdida nos seus próprios pensamentos. Para quem nunca provou o sabor amargo e doce do amor, pode pensar que Isabel perdida nos seus pensamentos fosse sobrevivendo lentamente, progressivamente esquecendo tal rapaz que a deixara. Mas, os entendidos na matéria, sabem que é o amor, que nos tira o tapete de baixo dos pés e faz o mundo girar 90 graus deixando-nos de pernas para o ar. Era assim que Isabel estava, embrenhada no labirinto do amor, o sangue que o seu coração enamorado bombeava percorria-lhe o corpo todo, alojando-se lentamente na sua cabeça e contaminando-lhe os seus pensamentos com o bichinho do amor. Isabel passava os dias a pensar no seu amor, por vezes distraia-se com outras coisas, mas era um ciclo vicioso. De dentro impossível libertar-se, de fora incompreensível. E Isabel passava os dias a pensar no seu amor.

terça-feira, julho 15, 2008

Vigésima terceira história
Todas as noites ela subia toda a escadaria até uma plataforma suspensa a uma altura equivalente a dois andares. A plataforma estava ligada a outra plataforma apenas por um cabo de aço triquilitante. Ela tinha de o atravessar.
Embora já o tivesse feito outras vezes e até tivesse conseguido chegar à outra plataforma sã, houvera casos em que caíra e a queda fora tão grande que toda a sua coragem e segurança ficaram reduzidas a mil cacos.
Agora tinha um medo enorme de se aventurar outra vez naquela jurnada insegura e triquilitante a que chamam de amor.

segunda-feira, julho 14, 2008

Vigésima segunda história
Esta história é sobre carinho. O sentimento carinho, que como tal é transmitido de pessoa para pessoa. No mundo perfeito seria o primeiro e o último sentimento a ser experienciado. Respectivamente, o olhar carinhoso de uma mãe perante o seu filho recém-nascido e o sentimento mais recordado/desejado nos últimos momentos de vida.

Era uma vez uma rapariga, uma rapariga normal mas extraordinariamente carinhosa. A menina, tão doce menina, por vezes confundida com as meninas mal amadas devido a esta estranha tendência de espalhar carinho. Era um pequeno regalo para o mundo. À sua volta todos eram mais sorridentes, a primavera seguia-a assim como a bondade e a felicidade.
Era linda e perfumada, na mão trazia sempre um brinquedo de fazer bolinhas de sabão; disfarçada entre as crianças, amolecia o coração.

domingo, julho 13, 2008

Este seu olhar quando encontra o meu
Fala de umas coisas
Que eu não posso acreditar
Doce é sonhar, é pensar que você
Gosta de mim como eu de você

Mas a ilusão quando se desfaz
Dói no coração de quem sonhou
Sonhou demais, ah! se eu pudesse entender
O que dizem os seus olhos

Tom Jobim
Vigésima primeira história
O sol irradia os últimos raios de sol. O horizonte é preenchido por uma mescla de tons quentes. O tempo está quente e seco. O fim da tarde beija Lisboa, oferecendo-lhe um tom alaranjado. O Tejo e a ponte 25 de Abril enquadram todo o bonito cenário.
Madalena iluminada pelo lado direito com aquela luz alaranjada parece ainda mais bonita. O castanho profundo dos seus cabelos, ligeiramente ondulados, ganha agora uns pequenos reflexos ruivos; seus olhos ganham um tom cor de mel; e o seu sorriso… esse nada o muda, sempre radiante.
Mateus, sempre com a sua expressão calma, transborda felicidade pelos seus olhos muito escuros e rasgados. Involuntariamente, perde-se na beleza de Madalena e não escuta uma só palavra do que ela diz. Apesar de Mateus admirar tudo o que Madalena diz, aquele momento fê-lo perder toda a atenção que prestava as palavras sábias e graciosas de Madalena. A luz, os gestos, o olhar; tudo. Madalena está perfeita.
O tempo passa, o sol agora invisível, dá lugar a uma pequena brisa que apresenta a noite. Mateus e Madalena continuam onde estavam o tempo parece não existir para eles. A esplanada onde se encontram já não é a mesma, a luz alaranjada que o fim da tarde trazia e fazia reflectir toda a loiça e mobília, fora agora substituída pelo escuro progressivo que traz a noite. As velas iluminam agora o espaço com a sua luz turva e agitada.
O pensamento de Madalena viaja a alta-velocidade, tem plena consciência que há muito tempo que aquela relação deixara de ser uma amizade normal. Mas por outro lado, não tem a certeza até que ponto está disposta a arriscar entrar numa nova relação amorosa, tendo em consideração o seu historial atribulado. Mas quando olha para Mateus, sempre com aquela expressão calma, sente algo que há muito tempo não sentia, segurança. De repente dá por si a pôr em hipótese declarar-se. Logo a seguir, sente-se ridícula e perde a coragem. Enche-se de esperança que ao fim da noite os seus desejos sejam realizados e ele tome conhecimento de todo o carinho que ela sente por si. Entre suspiros e conversa o tempo vai passando e Madalena continua a sonhar.
Mateus agora concentrado na conversa, tenta tirar o maior partido de tudo o que Madalena diz, parece-lhe sempre tão sabia, tão certa. Tenta aprender e crescer ao máximo com tudo o que ela sabe. Por uma vez ou outra, deixa-se embalar na beleza dos seus gestos, da delicadeza do seu corpo; mas regressa sempre à conversa com medo de desrespeitar tal milagre da Natureza. Mateus admira-a, e sente-se na função de proteger tão frágil e virtuosa menina dos males do mundo. O carinho que tem por ela ultrapassa tudo o que já sentira por alguém, mas talvez por isso mesmo, o medo de não ser correspondido e se ter de afastar faz com que nunca se chegue a aproximar. E permanece sempre ali, escutando-a, amando-a, perdido nos seus gestos, embebido na sua graciosidade e curioso pela sua sabedoria.
A noite cai. Os talheres são pousados. A loiça é levantada. Mateus e Madalena abandonam a esplanada e seguem seu caminho amando-se secretamente um ao outro.

quarta-feira, julho 09, 2008

TRISTEZA NÃO TEM FIM...
...A FELICIDADE SIM.

terça-feira, julho 08, 2008

Vigésima história
Ela envolvida em melancolia vivia. Os dias levavam-na na sua maré. Vivia cada dia esperando pela coragem ou pelo milagre que realiza-se os seus sonhos; mas faltava sempre qualquer coisa que a fizesse lutar. No estranho conforto do medo estagnava, esperava. E assim vivia lentamente.
Por vezes tentava arranjar teorias que refutassem todo aquele sentimento, agarrava-se aos barcos que navegavam para alto mar tentando deixar toda a memória, toda a mágoa: todo o amor para trás; mas a maré enamorada pela areia das praias, dançando num vai e vem deixava-a sempre, de novo, na costa de onde partira.
E ela vivia nesta angústia, num destino fatal de se prender e envolver cada vez mais.
Outras vezes decidia que daquela vez, cheia de certezas, encontrara a paz nos braços de quem fugira outrora em tremenda angústia. Mas tal coragem era efémera e nunca se tornara em acontecimento.
E assim, a menina voltava sempre para a praia e observava a única coisa que alguma vez a compreendeu e sempre compreenderá: o mar. O mar, percorrido por tantos barcos, casa de tantos seres; decidira apaixonar-se pela areia e por mais que se afaste volta sempre furioso para ela.

domingo, junho 15, 2008

CENA 1
Casa de MADELEINE e GUSTAVE - Int. / Noite

A casa é um pequeno loft. É perceptível que MDELEINE e GUSTAVE a habitam à pouco tempo. As paredes estão por pintar e a mobília é pouca ou inexistente. No meio da sala existe uma pequena mesa de madeira. MADELEINE e GUSTAVE estão sentados no chão em torno da mesma. A sala é escura e é percorrida por uma enorme nuvem de fumo. Sobre a mesa, entre várias garrafas de vinho e dois copos, estão dois dossiers. Nas respectivas capas cada dossier tem a fotografia de um homem e o seu nome completo.

MADELEINE
JEAN PIERRE de la Maison, magnata de economia. Desvia dinheiro desde o início do mandato deste governo. Chantageia o primeiro-ministro. Como é possível? E ninguém faz nada!

GUSTAVE
Ah! E este: VICTOR del Solai, está na política há cinco anos. É cadastrado na América por tráfico de droga. E como não podia deixar de ser, aproveita-se da sua posição para sustentar e comercializar os seus vícios. Sempre com roupas de grandes marcas e brutas jóias. E são estas as pessoas que estão no poder?

Ambos continuam a folhear os dossiers, vão comparando pormenores e planeando estratégias.

CENA 2
Ruas de Paris - Ext. / Dia

As ruas de Paris estão cheias de pessoas que ostentam as suas melhores roupas. Toda a gente procura alguém. A carência sente-se no ar. Os cafés enchem-se de senhoras todas aperaltadas em busca de um senhor que lhes faça companhia.
CENA 3
Restaurante “Eiffel” – Int. / Dia

Dia 7 de Junho, MADELEINE entra sozinha no restaurante “Eifel”. Veste um vestido branco cintado que roda em sua volta com a pequena brisa que passa. Na cabeça, com elegância, usa um grande chapéu branco de abas redondas. O restaurante situa-se na baixa da cidade e o cheiro das suas iguarias envolve todo o quarteirão. Todas as noites a fila surpreende quem passa. MADELEINE, entra no restaurante com um ar seguro e indiferente a tudo o que a rodeia. O restaurante é enorme, preenchido por mesas quadradas todas com lindas toalhas de linho branco. Sobre estas inúmeros pratos, talheres, copos, guardanapos, saleiros, condimentos; tudo do mais belo design. Os empregados circulam desvairadamente por toda a área circundante às mesas, criando bonitos jogos de equilíbrio com as grandes e brilhantes travessas. Sozinha e imponente dirige-se a uma mesa, reservada para dois, no centro da sala. Senta-se e espera pela sua companhia. MADELEINE, não fica surpreendida por ter chegado primeiro, mas mesmo assim fica aborrecida sem nunca perder o seu ar de senhora de alta classe. Enquanto espera vai fumando os seus cigarros Slim. Passado meia hora JEAN PIERRE chega. JEAN PIERRE é um influente homem de negócios, muito novo para o cargo que apresenta. É moreno e bonito, e sorri sedutoramente para MADELEINE.

MADELEINE – (Comentário)
E ao fim de meia hora lá ele chega com aquele ar de Don Juan. Acha que tem a noite garantida. Eu até lhe achei piada, mas logo me vieram as imagens daquele dossier à cabeça. Chantagem e corrupção. Dois coisas que não tolero!

JEAN PIERRE
(Beijando a mão de MADELEINE educadamente)
Boa tarde, como sempre muito bonita.

MADELEINE
(Muito bem impressionada)
Boa tarde, o JEAN PIERRE também não está nada mal.

JEAN PIERRE
Já aqui está há muito tempo?

MADELEINE
Ah! Não, acabei mesmo de chegar.

JEAN PIERRE olha para o cinzeiro e repara no cigarro marcado com a marca do batom de MADELEINE. Sorri, pois sabe que ela o espera desde a hora combinada e que lhe acabara de mentir.

JEAN PIERRE – (Monólogo Interior)
Ela não me resiste.

Os dois, sobe um clima romântico almoçam, riem e conversam. O tempo passa loucamente e nem JEAN PIERRE nem MADELEINE o notam.

CENA 2 A)
Ruas de Paris – Ext. / Noite
A fila à porta do restaurante vai se formando. MADELEINE e JEAN PIERRE abandonam o restaurante abraçados e sorridentes. Como previamente combinado, JEAN PIERRE acompanha MADELEINE até aos táxis, mas, a meio do caminho trava-a e faz-lhe uma proposta.
JEAN PIERRE
(Sussurrando ao ouvido de MADELEINE)
A MADELEINE vai me desculpar o descaramento mas não pode ir embora sem que o seu cheiro se misture com o meu; de modo a que sempre que eu sinta saudades suas, sinta o seu cheiro em mim e a sinta, assim, um pouco mais próxima.

MADELEINE sorri, a noite não poderia estar a correr melhor.

CENA 4
Hotel – Int. / Noite

No quarto de um hotel muito frequentado pela alta sociedade para os seus pequenos affères, MADELEINE e JEAN PIERRE envolvem-se. O quarto não é muito grande mas espaçoso. Está luxuosamente decorado. A cama é enorme, o colchão mole, as almofadas abafam toda a cabeceira, os lençóis são de linho branco e o edredão vermelho sangue de boi. A carpete é bege e felpuda, percorre todo o quarto. A mobília é de madeira de cerejeira combinando perfeitamente com as majestosas cortinas da mesma cor que o edredão. Mas, nem tudo corre bem, MADELEINE não se consegue concentrar de tão extasiada que está com o trabalho que tem a fazer que não demonstra qualquer interesse por JEAN PIERRE. Este, frustrado com esta nova situação enfurece-se. Nunca uma mulher o humilhara tanto e não iria deixar as coisas continuar assim. Se MADELEINE não o desejava não iria acontecer nada. Levanta-se abruptamente, veste-se e ordena MADELEINE a fazer o mesmo. MADELEINE obedece com um sorriso nos lábios que provoca ainda mais JEAN PIERRE. Este, possesso com a situação vai até à casa de banho. Enquanto isso, MADELEINE vai à sua mala Lousi Vuitton e tira um pequeno revolver prateado. Ao sair da casa de banho JEAN PIERRE é surpreendido por MADELEINE. Ela mata-o friamente.

CENA 5
Elevador do Hotel – Int. / Dia

Após acabar o serviço MADELEINE, abandona o quarto e entra no elevador. É um cubículo pequeno, forrado a madeira, com porta de ferro dourado em cruz. O empregado do Hotel abre-lhe as portas.

MADELEINE
Para o rés-do-chão, por favor.

O empregado do Hotel volta a fechar as portas e pressiona o botão do rés-do-chão. MADELEINE retoca o seu batom e calmamente volta a calçar suas luvas brancas. MADELEINE, está agora apática e pensativa, perdera a sua postura imponente. Pensa na monotonia da sua vida, que perdera o sentido e toda a adrenalina que outrora tivera.

CENA 6
Casino Paris – Int. / Dia

A sala é grande e redonda. Suportada por grandes pilares com pequenos adornamentos. No centro inúmeras mesas preenchem o espaço. As mesas são rectangulares e compridas, as cadeiras estão forradas com tecidos brancos com pequenos detalhes a dourado. As toalhas pousadas sobre as mesas são verdes com renda branca em volta. As paredes são escuras o que torna o ambiente extremamente pesado. O fumo enche a sala e são tantas as pessoas que se encontram na sala de refeições do casino que o burburinho é ensurdecedor. Na mesa mais ao canto da sala, GUSTAVE, um homem carrancudo de meia idade, observa o ambiente que o rodeia. Achas todas aquelas pessoas patéticas. Cada um a tentar rir mais alto que o outro para de destacar. Cada um a usar roupas mais exuberantes que o outro. Para GUSTAVE tudo aquilo é absurdo. O ódio e o desprezo começam a invadi-lo. Calmamente acaba o seu cigarro, inspira fundo e o jogo começa. GUSTAVE salta agora de grupo em grupo. Encarna a postura de quem o rodeia rindo do mesmo modo, fumando do mesmo modo, falando do mesmo modo; tentando enquadrar-se da melhor maneira no meio. Devagar vai chegando até ao seu alvo sem levantar suspeitas. Discretamente aproxima-se de ANTOINE. VICTOR, é um homem executivo respeitado no meio pelo estatuto que alcançou. Ao aperceber-se da presença de GUSTAVE aproxima-se dele.

GUSTAVE – (Comentário)
Ele já me tinha visto, e sabia o que eu estava ali a fazer. Não mostrava qualquer receio. Sabia que eu descobrira o seu segredo e que agora o seu cargo estava em risco.

VICTOR
Sabia que vinhas cá hoje acabar o serviço que à duas semanas deixas-te por acabar.

GUSTAVE
Então se sabes despacha-te. Vamos para uma sala mais reservada.

VICTOR
(Sorridente)
Vamos.

Discretamente, VICTOR deixa passar GUSTAVE à frente e de pistola em punho prepara-se para o surpreender. Ao chegarem à sala, GUSTAVE vira-se e espanta-se ao ver VICTOR apontando-lhe uma arma.

VICTOR
E agora? Vais fugir e deixar outra vez coisas por fazer ou vais morrer com a pouca dignidade que ainda te resta?

Os dois homens envolvem-se numa luta. Só quando a arma cai ao é que ambos param e tentam apressadamente agarra-la. Mas, GUSTAVE é mais rápido e sem qualquer hesitação mata VICTOR.

CENA 2 B)
Ruas de Paris – Ext. / Dia

Paris, bem cedo. As pessoas agora sisudas, caminham apressadamente para os seus destinos.
O jornaleiro berra a manchete do Jornal de dia 13 de Junho: “Police cherchent assassins!”.

CENA 2 C)
Ruas de Paris – Ext. / Noite

No mesmo dia, mas no cair da noite. GUSTAVE fuma mais um cigarro numa rua sombria. Do meio da escuridão uma senhora aproxima-se.

MADELEINE
(Extremamente triste, mas totalmente à vontade, sem se esconder em personagens fictícias)
Viste o Jornal? Antes ficava toda empolgada com os nossos golpes e ainda mais com a fuga. Mas agora não GUSTAVE. Estou farta desta vida. Não podemos continuar com isto. Deixamos chegar a um ponto em que nada faz qualquer sentido. Perdemos a dignidade. Perdemos a moral e todos os nossos valores. Por mim chega. O que nos aconteceu? Com tantos ideais pela justiça como podemos seguir por um caminho ainda mais sujo em busca de um fim melhor?
GUSTAVE
Entra no carro.
O carro arranca.
CENA 7
Carro de GUSTAVE – Int. / Noite

MADELEINE chora e GUSTAVE, carinhosamente, acaricia-a pondo o seu braço sobre o ombro dela.
GUSTAVE
Vamos começar tudo do zero em Áustria. Viena de Áustria.

MADELEINE olha para GUATAVE e faz e sorriso triste. Limpa os olhos húmidos.
MADELEINE
Como é possível termos feito tudo o que fizemos, GUSTAVE? Morto tanta gente, achando que éramos donos do mundo? Achando que toda a gente se devia reger pelos nosso valores? Como é possível termos sido tão parvos e tão fechados no nosso próprio umbigo durante tanto tempo?

GUSTAVE
Eu sei…

sexta-feira, maio 23, 2008

O SENTIDO DA VIDA
Para mim, a vida é um percurso, uma jornada que vamos percorrendo até à morte. Para uns este percurso é absurdo, obrigatório e percorrem-no porque sim; para outros está simplesmente predestinado por um Ser maior; Ser este que decidirá o seu futuro depois da morte. Mas, para mim nenhuma destas duas preenche a minha vontade de viver.
A vida só tem sentido a partir do momento em que existe uma evolução e uma aprendizagem. E tanto uma como a outra devem permanecer em nós até à morte. Deste modo, digo que o sentido da vida se baseia em memórias. As marcas que ficam do que já passámos. Momentos que, tanto pela positiva como pela negativa, nos fazem agir melhor da próxima vez e que relembramos para o resto da nossa vida. São as memórias que fazem com que a vida valha a pena.
Para mim, o sentido da vida baseia-se na realização pessoal, e esta realização de que falo não se baseia na fé, nem em simples prazeres absurdos. Baseia-se em relações interpessoais, nas pessoas. Porque só com elas podemos aprender e melhorar, e são elas que nos oferecem as melhores memórias.
Sei que não tenho maturidade nem experiência de vida suficientes para basear toda a minha vida nas memórias que virão, até porque não teria qualquer sentido. As memórias de que falo são a vontade de que todos os momentos futuros tenham importância suficiente para me marcarem e que moldarem como uma pessoa melhor.


Na minha opinião, o sentido da minha vida baseia-se na ética. Mas uma ética moderada. Para mim o sentido da vida são as relações, como já disse. É o conhecimento, a gratificação, a integridade, o crescimento que obtemos da interacção, pois é demasiado irreal e impensável dizermos que somos totalmente auto-suficientes. Porque a melhor forma de crescer é crescer com/pelos outros. Refiro-me a uma ética moderada porque não seria honesta se dissesse que vivo a minha vida totalmente em função dos outros e que só isso me deixa totalmente realizada. Mas, facilmente o mundo seria muito melhor que cada um desse 1% de si pelo próximo, porque se eu der 1% de mim a um outro individuo, este outro iria sensibilizar-se e iria ajudar mais alguém e deste modo, lento mas eficaz todos os dias mais de uma pessoa iria sorrir um pouco mais.
Se por um lado a minha vida só faz sentido se poder ajudar as pessoas que me rodeiam; por outro, acho que a vida só faz sentido se nos sentirmos seguros e confiantes de que se cairmos temos alguém que nos agarre. Porque a vida é feita em função de darmos, mas consequentemente, acabamos sempre por receber. Assim, a vida faz mais sentido quando nos rodeamos das pessoas que gostamos e sabemos que podemos obter apoio e conhecimento das mesmas, porque é debatendo e discutindo os nosso ideais com ideais contrários que os corrigimos e se vão aproximando cada vez mais da verdade.


É nisto que a vida se baseia, é uma oportunidade enquanto seres racionais de provarmos a nós próprios que conseguimos ir até onde quisermos, de superarmos os nossos limites e de quebrarmos barreiras. De crescermos duplamente, seja por orgulho próprio, por agirmos bem face aos outros; ou gratidão e humildade perante outro indivíduo que nos ajuda quando somos nós que precisamos.

Porque tudo isto preenche uma vida, e faz com que a abandonemos com a alma a sorrir e a transbordar de memórias que, ao fim ao cabo são as marcas que a vida nos deixa.

quarta-feira, maio 14, 2008

CENA 7
Interior / Dia – Quarto de ARTUR (W/C)

ARTUR (Comentário)
Nunca quis uma vida monótona, presa a rotinas. Sempre vivi à procura da emoção e novos limites. Mas esta vida que sempre levei vai corroendo a alma por dentro…

O quarto parece limpo. Está pintado de verde pálido e nas paredes existem gravuras com esculturas eróticas. A cama é muito baixa e ao lado há uma poltrona esfarrapada e um monte de almofadas coloridas. Na mesa-de-cabeceira vários objectos de forma inconfundível completam o espaço. ARTUR despe-se, pega na roupa interior lavada e segue para a casa de banho, no interior do quarto. É um cubículo lacado e tem na porta um poster com uma loira montada numa coca-cola. O poster está amarelecido e manchado dos insectos. A loura usava o cabelo à Marilyn Monroe, tipo anos 50. ARTUR pousa a sua roupa sobre a sanita e entra para o "poliban". No chuveiro falta o coador. É simplesmente um cano de onde jorra um jacto de água à altura da sua cabeça, mas ARTUR não hesita em lavar-se. No mesmo instante em que a água corre, tocam à porta persistentemente. ARTUR atrapalhado enrola-se no toalhão, que se encontra pendurado, e corre. Ao chegar ao quarto repara que as janelas estão escancaradas e que os cortinados esvoaçam ao vento. ARTUR olha o céu que anuncia algo estranho. No céu pendem nuvens com mesclas de cinza e rosa. Fica atento e já nada ouve, a não ser, o ruído de fundo do tráfego e o burburinho da multidão que se faz sentir na avenida principal. De regresso, novamente à casa de banho, e ao virar-se assiste à revolução do seu quarto. Entre gavetas no chão, a cama revolta, objectos pessoais espalhados, e outros, estão a descoberto fotografias, um revólver e uma mancha de sangue. ARTUR fica perplexo. A sua imagem funde-se a negro.

ARTUR (Comentário)
…Não tenho amigos. Depois do que já vi na vida já não consigo confiar em ninguém. A vida ensinou-me a lutar por mim e pelas pessoas que realmente importam. A família. O meu irmão…

ARTUR (Comentário)
…Mas às vezes a família não está à altura e trai. Eu sabia que aquela confusão tinha a ver com o RAMÓN, tinha a sua marca por todo o lado. Depois de tantos anos com ele nestes esquemas já não me engana. O RAMÓN, sempre foi tudo para mim, já nos conhecemos há 32 anos e nunca na vida hesitei em ajudá-lo. Ele é a minha vida. O meu dever, como irmão mais velho e único familiar, é protege-lo. Mas, nunca esperei tal ingratidão. Achei que a ganância e a avareza não ousavam estragar algo como amor de dois irmãos, mas pelos visto enganei-me. E tão bem enganado.

CENA 7 A)
Interior / Dia – Quarto de ARTUR (W/C) – Flash Forward

O pequeno quarto, parece agora ainda menos espaçoso pois está todo desarrumado. A cama está desfeita, as almofadas estão no chão lançadas ao acaso. A cómoda está toda remexida com as gavetas abertas a cair umas em cima das outras.
ARTUR está em frente da cama mais para o lado esquerdo, caminhando furiosamente para a porta. Atrás de dele está RÁMON que invadido por cólera, pega no revólver deixado posteriormente na cama de ARTUR e dispara.

CENA 8
Interior / Noite – Museu de Arte da Venezuela – Flash Back

ARTUR entra no museu pela janela. ARTUR veste um fato de treino preto e esconde a cara sob um gorro de malha canelada também preto, com dois buracos que deixam os olhos a descoberto. Sozinho dirige-se para a ala este do piso, ARTUR sabe bem para onde vai. O corredor é comprido e apresenta famosíssimos quadros de dois em dois metros; entre estes, e de vez em quando, pode ver-se um pedestal com peças formidáveis. Mas para ARTUR tudo o que o rodeia é insignificante comparado com a peça que se encontra à sua frente. ARTUR sabe que não tem muito tempo, o segurança pode passar a qualquer momento, mas não resiste à beleza do objecto. Fica a contemplá-lo. A sua beleza, a perfeição, a sua cor profunda que reluz extraordinariamente mesmo com a pouca luz que a sala oferece. Da pedra, ARTUR passa para a corrente, majestosa, brilhante e perfeita. Toda a peça olha para ele como se lhe implorasse que a tirasse dali. ARTUR não oferece resistência e acaba o trabalho.

ARTUR (Comentário)
Não foi este o futuro que imaginei para mim… queria ser piloto da força aérea. Percorrer o mundo de uma ponta à outra. Sempre me interessei por arte, mas arte é apenas um regalo para os olhos. A minha paixão é a adrenalina. Daí que chegar ao tráfico de arte não foi assim tão complicado: tinha as minhas duas paixões juntas e sabia que dinheiro era coisa que não ia faltar. Acima de tudo, estava próximo do meu irmão e sabia que, apesar de não o conseguir convencer a largar aqueles esquemas; estava por dentro para o proteger…

ARTUR (Comentário)
…Esta peça era extraordinária, nunca tinha visto nada assim na minha vida. Sempre que olhava para ela só conseguia imagina-la no pescoço cor de marfim da GUADALUPE. A mulher mais bonita do mundo.

Cena 7 B)
Interior / Dia – Quarto de Artur (W/C) – Flash Back

ARTUR, olha mais uma vez para as fotografias do colar e vem-lhe mais uma memória à cabeça.

Cena 7 C)
Interior / Noite – Quarto de ARTUR (W/C) – Flash Back

ARTUR está deitado na cama de barriga para cima, respira ofegante e o seu corpo está suado. À sua esquerda está GUADALUPE, magnifica. A sua pele tom de marfim, apresenta um pequeno brilho devido à transpiração. Os seus longos cabelos negros espalham-se pela cabeceira da cama. As pernas de ambos estão entrelaçadas. ARTUR acaricia o pescoço de GUADALUPE e sorri. GUADALUPE continua com o olhar vago e a sua expressão fria habitual.

ARTUR (Comentário)
Naquela manhã, GUADALUPE estava mais bonita que nunca. Sempre com o seu ar divino, majestoso e indiferente. Mas sempre bela. Eu estava a tremer de loucura e ansiedade.

ARTUR
Tenho uma surpresa. Sei que vai adorar, não lhe queria mostrar já porque ainda falta limpar, mas confesso que não resisto.

ARTUR sorri descontroladamente. Vira-se para a esquerda e abre a pequena gaveta da mesa-de-cabeceira, afasta alguns objectos pessoais e pega na jóia. Ao segurá-la nas suas mãos, o cintilar gélido dos brilhantes desperta a curiosidade de GUADALUPE que, pela primeira vez, muda de expressão. Olha agora para ARTUR bastante interessada. ARTUR mostra-lhe a peça (roubada). É um colar fascinante com a mais bonita safira combinada com uma magnífica corrente de brilhantes. O interesse de GUADALUPE cresce.

ARTUR (Comentário)
…Aquele sorriso, valeu por todo o esforço e ansiedade. Finalmente consegui arranjar um presente que ficasse à altura da mulher da minha vida!

GUADALUPE
É magnífico ARTUR. Onde arranjou esta preciosidade?

ARTUR
Também achei. Isso não interessa.

GUADALUPE
(Arrancando-lhe o colar das mãos colocando-o no próprio pescoço)
É para mim? Não acredito! O ARTUR é incrível!

ARTUR
(Tirando-lhe suavemente o colar e voltando a guardá-lo no mesmo sítio)
É sim meu amor, mas vai ter de esperar mais uns dias.
GUADALUPE segue todos e quaisquer movimentos do colar. Não o perde de vista até voltar para a gaveta.


CENA 7 D)
Interior /Dia – Quarto de Artur (W/C) – Flash Forward

O tiro é certeiro e ARTUR cai morto imediatamente. ARTUR jaz no chão imóvel num transe de transição entre a vida e a morte.

CENA 7 E)
Interior /Dia – Quarto de Artur (W/C)

Quando volta a si, ARTUR fica ainda por segundos desorientado. Está ainda perplexo com a confusão em que o seu quarto se transformou. Tomando rapidamente consciência da situação, ARTUR apressa-se a ir à gaveta da mesinha de cabeceira (única coisa que parece minimamente intacta). Mais descansado com o que verifica, volta a fechar a gaveta. Batem outra vez à porta. O quarto é pequeno e a distância entre ARTUR e a porta é minúscula. A porta é de madeira de pinho e a maçaneta dourada. Toda a decoração do quarto roça um pouco o piroso. Do outro lado da porta, RAMÓN espera impaciente. RAMÓN é um homem atarracado o que é exagerado pela lente côncava do buraco da porta. Apresenta um ar furiosamente impaciente e veste um fato italiano de risca de giz branca, uma camisa branca e uma gravata vermelha. RAMÓN é gordo, tem bigode e fuma charuto de tal maneira que tudo à sua volta é uma enorme nuvem de fumo. ARTUR reconhece o irmão e abre a porta.

ARTUR (Comentário)
Eu sabia que tinha sido o RAMÓN…vinha tentar dissuadir-me e convencer-me a dar-lhe o colar. Tão previsível.
(Gargalhadas secas)

RAMÓN
(Um tom vermelho-escarlate apodera-se da sua cara)
ARTUR, o prazo está a apertar. Quero a peça já! Visto que andas a fugir decidi vir! E não saio daqui sem o colar! Sei que o tens por aqui!

RAMÓN chega agora ao quarto, interrompe o seu discurso, dá um bafo no charuto, esboça um sorriso e pergunta ironicamente.

RAMÓN
(Esboça um sorriso infantil e brinca com os anéis dourados que usa nos dedos gordos)
O que é que se passou aqui no teu quarto, ARTUR? Até parece que foste intimidado...

ARTUR olha-o com desdém. RAMÓN lança uma forte gargalhada e continua a gozá-lo.

RAMÓN
Ah! E será impressão minha ou aquelas fotografias não são as fotografias do MEU colar?! Bem, parece que cheguei mesmo a tempo, visto que até já tiveste tempo para fotografar a tua nova e efémera aquisição. ONDE ESTÁ O COLAR?

RAMÓN dá um bafo no charuto e atira-o à cara de ARTUR com desdém.

ARTUR
(Ajeita a toalha que tráz enrolada na cintura)
Não te vou dar o colar! Sei que foram os teus capangas que deixaram isto aqui para me pressionar! Tu sabes bem o valor que o colar tem para mim e só me obrigaste a fazer este trabalho para me testar! Eu não vou ceder! A divida que tinha para contigo já foi paga à muito! Isto agora é extorsão! E se continuas atrás de mim denuncio-te à polícia… não quero saber se também vou ao fundo!

RAMÓN
(Irónico)
Como te atreves a dizer tal coisa ao teu irmão que te ajudou quando toda a gente te virou as costas? Que ofensa!

ARTUR (Comentário)
Não lhe dei o colar, e não me arrependo. O amor que sinto por RAMÓN é absurdo. Mas toda a vida me sacrifiquei por ele e chegou a altura de isso acabar.

ARTUR
Sai, por favor, e nunca mais te quero ver.

ARTUR (Comentário)
Estas foram, sem dúvida, as palavras que mais me custaram dizer em toda a minha vida.

ARTUR dirige-se à porta para expulsar RAMÓN. Mas, este invadido por cólera, pega na arma deixada posteriormente na cama de ARTUR e mata friamente o irmão. Este cai morto no instante.

ARTUR (Comentário)
Não me apercebi logo da situação. Aliás nunca pensei que o RAMÓNZITO fosse capaz de fazer o que fez. Só quando realizei que a minha vida ficara resumida a apenas alguns minutos de retalhos de memórias, é que conclui que nunca mais iria ver a cara da pessoa à qual dediquei todo o sentido da minha vida. À qual dei prioridade em todos os momentos importantes. E agora essa pessoa, que significa tanto para mim, apunhala-me pelas costas e acaba com a minha vida. Que sentido teve a minha vida?

CENA 7 F)
Interior / Dia – Quarto de ARTUR (W/C)

A cena está limpa. O espaço está encenado para que parecesse um suicídio. A porta do roupeiro abre-se. Uma mão feminina, de unhas bem arranjadas, empurra a porta do lado de dentro. De seguida um salto alto vermelho toca no chão, o outro também e contíguas a estes, umas longas e nuas pernas aproximam-se de RAMÓN. RAMÓN sorri com cumplicidade. GUADALUPE olha para ele com sensualidade. Pousa o chapéu largo sob a cabeça e beija RAMÓN. GUADALUPE, dirige-se à mesa-de-cabeceira, tira o colar da gaveta, coloca-o ao pescoço e RAMÓN ajuda-a a fechá-lo.

GUADALUPE
(Fascinada com o colar que possui)
Como fico, amor?
RAMÓN
(Calmo e totalmente apaixonado)
Perfeita, princesa!

Ambos dão as mãos e abandonam o local.

quinta-feira, fevereiro 28, 2008


INESgotável

quarta-feira, fevereiro 20, 2008

19th story
Once upon the time there was a little house with a little attic. It was a little room made up of dark wood.
This little attic was full of boxes. Little ones. Medium-sized. And big ones.
Some of these boxes were full of books, others of dolls, others of things that just got old but still full of memories.
Among these receptacles there was a special one. It was the smallest and the most beautiful one. It seamed to be a gift with a shinning, colourful and beautiful wrapping paper.
Next to it, there was a flower. It was a yellow flower.
But this box and this flower weren’t ordinary ones.
This box contained happiness and this flower showed much sadness.
The little box was happy because it was laid next to a fabulous flower. Besides, it could look to it every day.
On the other hand, the beautiful flower was sad due to the fact that she was jealous of the beautiful box.
Every day, the flower looked down to the box and feels bad, because she felts uglier.
But, one day, a little girl came by and took the box away.
At first, the flower was very happy for being the most beautiful thing in the attic.
Only later, it realised that missed more the box company despite of being the most beautiful thing.

quinta-feira, janeiro 24, 2008

A Cadeira de Baloiço


Cena 1
Exterior / Noite – Coimbra / Casa

Estamos em meados de Maio, o tempo é ameno mas incerto. É noite de lua nova, deixando o céu aberto e extremamente estrelado. A cidade de Coimbra parece uma cidade fantasma, não se vê, nem ouve ninguém. Apenas a suave brisa nocturna, e o camião da recolha do lixo que passa na Av. Dias da Silva, todas as noite aquela hora, com um barulho refilão de um motor velho e cansado. Como sempre o camião pára ao lado da bela sebe verde e bem tratada que contorna o terreno da Quinta de São Jerónimo. Da rua pouco se vê a casa, apesar de o portão ser feito de varas de ferro, toda a casa é tapada por um vasto terreno repleto e árvores. Mas, para lá dessas árvores, há um bonito relvado percorrido pelas mais belas flores e sons da natureza que contorna a casa. A casa da alegria, é uma vivenda de dois andares de planta quadrada e está pintada segundo a tradição portuguesa: caiada, com portadas verdes e rodapé amarelo-torrado. A casa é circundada por um alpendre e a fachada poente é percorrida por varandas cheias de plantas bem arranjadas.

Cena 2
Interior / Noite – Quarto, escadaria e hall

No quarto, Dona Teresa dorme sossegada, virada para o lado da cama onde o seu falecido marido costumava dormir. O quarto é grande, bem decorado com a cama de dossel ao meio, à direita um roupeiro muito alto de madeira escura com duas portas e três gavetas. Tanto as mesas-de-cabeceira que ladeiam a cama, como a cómoda em frente, condizem perfeitamente com o roupeiro. E do lado esquerdo do quarto, ao centro da parede, uma enorme janela com uma varanda com bonitas plantas e duas cadeiras. Nisto, Dona Teresa acorda sobressaltada com a bela melodia da harmónica do seu falecido marido, desce as escadas rangentes até ao hall e segue até ao alpendre.

Cena 1 a)
Exterior / Madrugada – Alpendre

Os gatos vadios saltam a sebe que rodeia a casa e correm pelo relvado sob o céu estrelado. A noite é meigamente embalada pela pequena brisa que percorre o ar e agita as folhas das árvores provocando um barulhinho aconchegante. Dona Teresa, nas suas vestes de dormir, abre a porta e ao sentir aquele ar fresco da noite aconchega-se nas suas leves e brancas roupas, que brincam com o vento em torno das suas pernas nuas. Cruza os braços de modo a aquecer-se e senta-se no banco ao lado da cadeira de baloiço vazia, que, empurrada pelo vento, baloiça suavemente provocando um “toque – toque” na madeira. Dona Teresa olha em frente com um olhar vazio, mas a sua expressão é de calma e serenidade e até um pouco de felicidade. Dona Teresa sente-se bem ali, preenchida, acompanhada. Respira calmamente, e do mesmo modo se vira para a cadeira de baloiço que se encontra à sua esquerda.

Dona Teresa
(vira-se para a cadeira de baloiço e enrola-se na manta que está pousada ao seu lado)
Não consegues dormir, meu querido?

Dona Teresa
(agora, outra vez voltada para o terreno que rodeia a sua casa)
Está uma noite muito bonita. A lua já vai baixa, já deve ser tarde.

Dona Teresa
(apontando para um gata que percorre o relvado de um lado ao outro)
Olha! Estás a ver aquela gatinha? Já teve filhotes outra vez! Pariu na passada Terça-feira, dez criaturinhas adoráveis. Quatro fêmeas e seis machos.

O sol já começara a nascer quando Dona Teresa acaba por adormecer ali mesmo, na companhia da memória do seu falecido marido.

Cena 2 a)
Interior / Manhã – Hall

O hall é a zona mais despida da casa. Tem um tapete de Arraiolos no chão e do lado esquerdo da porta uma escrivaninha e do lado direito um bengaleiro. Em frente, à esquerda uma escadaria e por debaixo dela, em frente à porta principal, a entrada para a sala. Finalmente, do lado direito à porta de entrada, a cozinha, de onde vem uma barulheira insuportável. Ouve-se assobio da chaleira, as torradas a saltarem, a loiça e os talheres a tocarem uns nos outros e na bancada. Depois o tremelique das loiças e dos talheres sobre o tabuleiro carregado pela Dona Teresa, senhora de idade avançada e como tal já com falta de força.
Mas, todas as manhãs Dona Teresa faz o mesmo. Atravessa o hall de entrada em direcção à porta, transportando um tabuleiro com duas chávenas de chá, açúcar, leite, duas torradas com doce e o jornal.

Cena 1 b)
Exterior / Fim da manhã – Alpendre

O sol vai subindo e as sombras diminuindo. Está um dia de verão quente e sem uma única nuvem. A luz é intensa e faz com que as flores desabrochem e se voltem para o sol. As folhas das árvores assim como a relva, mais verdes que nunca, brilham loucamente. As paredes caiadas da casa reflectem a luz do sol, fazendo a casa parecer maior e mais bonita, de tão brilhante que fica. O ar é perfumado e ligeiro, ecoa o grasnar dos patos que nadam no lago ligeiramente tapado pelas árvores do lado esquerdo do casarão. O alpendre é todo feito de madeira, o chão é percorrido por tacos bem encerados. Sobre este estão duas mesinhas de café, uma em cada lado da porta de entrada. Do lado esquerdo, essa mesinha é rodeada por um banco encostado à parede e mais à esquerda uma cadeira de baloiço. Em cima dessa mesa de café está, desde sempre, a caixinha do tabaco do senhor Manuel, o seu cachimbo, os seus fósforos e tantas, dos mas diferentes feitios e tamanhos, chávenas de café e chá e algumas canecas. Debaixo da mesa, estão dezenas de jornais, uns mais recentes outros mais antigos, abandonados e intocados deixados por Dona Teresa presa na própria senilidade. Mais uma vez, Dona Teresa empurra a porta que tinha deixado encostada e passa fazendo um último esforço para aguentar com o tabuleiro. O espaço para pousar-lo em cima da mesinha de café é nulo ou inexistente, de modo que Dona Teresa decide pousado em cima do banco e por só a loiça em cima da mesa. Dona Teresa toma ali o seu pequeno almoço pousa o jornal num novo monte debaixo da mesa, sorri com suspiro de “tarefa cumprida” e fica ali presa em recordações com um olhar vago e perdido entre flores, árvores e sebes.

Cena 1 c)
Exterior / Início da manhã – Alpendre

O Inverno chega e com ele traz o frio. Estamos em Janeiro, as belas árvores de outrora estão agora nuas, fracas e sem graça. A relva luta para permanecer verde e saudável, mas é uma luta ingrata e invencível. Apenas a sebe permanece imaculada aos estrados daquela dura estação. A casa está coberta um espesso nevoeiro que não deixa passar nem um raio de luz. Parece agora bastante mais velha e desgastada. O branco das paredes parece cinzento e o verde e o amarelo da decoração pouco ou nada se destacam pois também estes se tornaram em tons acinzentados. A chuva é grossa e abafa os outros sons da natureza. Raramente pára e como seu companheiro de festas vem sempre o vento. Um vento forte que mexe com tudo e todos. As portadas batem com força, as plantas nas varandas lutam todos os dias pela sua sobrevivência, as poucas folhas que ainda restam nas árvores são arrancadas à força como todas as outras. No alpendre a cadeira de baloiço baloiça mais rápido que nunca, e as páginas dos jornais debaixo da mesa de café abrem e fecham batendo umas nas outras. Como todas as manhãs Dona Teresa empurra a porta com o tabuleiro a tremer, pousa-o no banco por falta de espaço da mesa. Onde, pousa a chávena do seu marido e a caneca de leite e tome o seu pequeno-almoço. Os guardanapos voam naquele vendaval mas Dona Teresa não reage enrosca-se na manta e continua a tomar o seu pequeno-almoço, perdida em pensamentos e recordações. Nisto, entra um carro pelo portão que chia mais alto que o ruído da chuva. Dona Teresa lentamente olha para a entrada dos carros. Um carro preto e pequeno vai percorrendo a estrada de terra toda enlameada. O barulho do motor e dos limpa vidros mal se ouvem debaixo de tanta chuva. O carro pára, um guarda-chuva vermelho escuro abre-se e de dentro do carro sai uma senhora magra e muito bonita. A senhora corre chapinhando na lama, até ao alpendre onde cumprimenta Dona Teresa. Depois abraça-a com muito carinho. Ajuda-a a levantar-se e leva-a para dentro.

Cena 1 d)
Exterior / Antes de almoço – Alpendre

Mãe e filha saem de casa. A Beatriz carrega três malas, cada uma maior que a outra e Dona Teresa leva apenas a sua necessaire, a sua carteira e o guarda-chuva. As duas, bem agasalhadas, dirigem-se para o carro e guardam as malas apressadamente. Beatriz ajuda a mãe a entrar no carro e entra também. O carro começa a andar e mais uma vez o portão abre e fecha chiando muito alto. O chiar do portão é como um gemido, uma tristeza enorme percorre o terreno, a chuva permanece, o céu fica cada vez mais escuro e as árvores cada vez mais fracas e nuas. As portadas batem e as plantas das varandas morrem pouco a pouco. No alpendre, os jornais começam a voar, a loiça a dançar e a cadeira de baloiço a baloiçar num frenesim.

quinta-feira, janeiro 10, 2008

Then share with me your secrets and all...